Segure minha mão

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Essa sua receita de Kimchi é indescritível! — era a décima segunda vez que minha tia repetia aquela mesma frase, sempre proferindo-a antes de enfiar uma boa quantidade de Kimchi goela abaixo, como se para enfatizar o quão proveitosa estava sendo a refeição.

— O segredo é o tempo de conservação. Quanto mais conservado, mais sabor ele possuí. — ditou minha mãe com o ego inflado.

Suspirei baixo, remexendo minha própria comida enquanto encarava apenas meu prato.

Eu não odiava os almoços de domingo que minha mãe, costumeiramente, sediava em nossa casa como se fosse o grande evento da semana. Mas depois de certa idade, quando seus primos se tornam tendenciosos demais e seus tios se juntam com o restante da família para uma rodada de frases preconceituosas e machistas, as coisas parecem perder a graça e tudo que você se torna é um expectador mudo, enquanto trinca os dentes para não rebater e ser perfurado pelos olhares cortantes dos demais.

E em algum momento da minha transição como criança para adolescente, eu acabei me dando conta disso e me fechando em meio àqueles comentários. Agora quase atingindo a fase adulta e sabendo que as piadinhas de outrora — antes dirigidas a ninguém específico — passaram a se adequar à mim também, aqueles almoços se tornaram uma perfeita tortura, onde eu vestia um personagem semanal e esperava; acanhado demais para expor minha verdadeira identidade.

— E o Yifan, como vai nosso jovem prodígio? — perguntou meu pai, olhando com satisfação para meu tio. Ambos parecendo quase explodir em meio ao orgulho.

Está ótimo! Não é como se não soubéssemos que ele se daria bem, mas ver isso pessoalmente é duas vezes mais gratificante!

Um de meus primos tendenciosos, o qual se livrara facilmente dos almoços semanais dois anos antes quando se formara na faculdade e pode alegar outras prioridades para os pais, agora era o alvo de quase todos os tópicos que envolviam o almoço de família.

— O que me preocupa é o fato dele estar sempre ocupado até para nos visitar! Aquele menino tem perdido muito peso com a carga de estresse no trabalho. — choramingou minha tia, como se realmente pudesse chorar apenas por aquele fato.

— Não achei que trabalhar tirasse o apetite das pessoas. Por favor, quando o ver novamente peça para me mandar a receita dessa nova dieta; estou precisando manter a forma. — com a voz calma, embora soterrada em um cinismo único, vi a lata de cerveja ser erguida e brindada no ar, ironizando todo aquele discurso sem se importar com as carrancas que o observavam.

Não pude evitar deixar um meio sorriso se abrir em meu rosto, muito embora ele tenha desaparecido assim que vi o olhar mordaz que minha tia me dirigia.

— Suas brincadeiras nunca possuem graça, Zitao. — reclamou minha mãe se erguendo e começando a retirar os pratos da mesa, sendo seguida por uma mulher desgostosa com o que o sobrinho havia dito de seu filho amado.

Vi meu pai e meu tio ignorarem o garoto de olhar apático que mesmo sabendo que não era muito bem vindo ainda assim sempre insistia em ir nos almoços de domingo.

Aproveitei que todos pareciam insistir em fingir a ausência de Zitao na mesa e levantei o olhar, sorrindo para si, como se conspirasse que concordava em número, gênero e grau com tudo que havia dito. Zitao abriu um sorriso amplo em minha direção, assentindo brevemente e voltando a sua lata de cerveja.

Embora eu nunca houvesse revelado aquilo, ainda assim, a única coisa que tornava aqueles almoços suportáveis eram as indiretas feitas por Zitao que, em meio às falas hipócritas que revestiam todo o fim de semana, conseguia se rebelar e colorir um fundo preto e branco com sua ironia única. E eu adorava muito aquilo! Ou, talvez, apenas adorasse Zitao.

First TimeWhere stories live. Discover now