Eirian havia disposto muito tempo visitando as instalações reais e comunitárias de Solaire, fazia isso acompanhado de Valentin e Vicar que anotava as melhorias propostas pelo príncipe em cada aspecto que analisava no reino, ele sentia a resistência de seu pai em mudar. Tudo devia ser passado antes pelos seus conselheiros e isso frustrava o frustrava. "Ele é meu pai e mesmo assim não consigo conversar com ele abertamente, mesmo quando estamos sozinhos parece que piso em ovos." ─ pensava um dia desses enquanto trançava a crina de Secoya.
Valentin havia se tornado uma espécie de confidente, às vezes Eirian passava horas tagarelando com o guarda, soltando todas as vertentes dos seus problemas reais em cima do seu segurança pessoal. Sentia que nem sempre Valentin entendia o que ele falava, mas falar era o que ele precisava.
O guarda real, por sua vez, não conseguia recusar ou construir uma barreira para manter o príncipe distante e a relação profissional. Via que não havia muito pudor em permitir que Eirian revelasse seus pensamentos, e isso incomodava o guarda. Quando ouvia, então, histórias sobre as aventuras sexuais que o príncipe compartilhava, mais sofria para se manter na linha. Não era como conversar com qualquer outro guarda. Sentia certo ciúme, certo instinto de proteção, uma sensação de querer mantê-lo por perto para que ninguém mais o tivesse, para que ninguém mais pudesse tocá-lo. "Bobagens da sua cabeça, Valentin. Apenas pare," ─ pensava.
Quando se livrava dos pensamentos infortunosos, se esforçava para ficar atento a ameaças que pudessem pôr em risco a integridade do príncipe. Valentin ainda se perguntava por que ele tratava tão bem aquele povo. Afinal, seu pai nunca foi um exemplo de bondade. "Com quem ele pode ter aprendido a ser assim?", ─ julgar os atos do príncipe tornava difícil segurar o sorriso de canto de boca que acompanhava aquele frio na barriga. Num momento como este resolveu questioná-lo.
─ Quero que eles me sigam, Valentin. Não quero o dinheiro desse povo.
─ Parece bonito, mas do que adianta? Eles vão te seguir de qualquer forma. Você é o príncipe.
─ Isso não quer dizer que gostem de mim.
─ Acho difícil.
─ Acha? O que mais acha?
─ Que tem feito um bom trabalho, conquistando o povo.
─ Somente o povo?
Valentin ficou mudo e avançou com seu cavalo, abandonando o príncipe. Sentia-se humilhado por talvez achar que Eirian soubesse sobre seus calafrios e vulnerável por talvez transparecer. Não era possível continuar assim. Por um lado, era como se fosse um menino novamente, mas por outro um guarda instável, que não conseguia pensar em outra coisa a não ser naquilo que sua mente condenava.
Enquanto os dias passavam e Valentin não conseguia aceitar ou entender o que sentia, começou a pensar em desistir, em se livrar daquele fardo de uma vez por todas e passar o posto de líder da Guarda para Koldo. "Ele sempre quis isso, talvez seja mais preparado para a função. Eu não posso deixar que essas sensações estranhas interfiram no meu trabalho... Esses calafrios idiotas... Isso não pode continuar."
■
Os planos de Maximus para Eirian eram extensos e, enquanto Valentin se desmoronava em silêncio, o rei chamou o príncipe para atribuir-lhe outras responsabilidades. Talvez, nessa ocasião, Eirian pudesse perguntar sobre sua mãe novamente, ou sobre aquela profecia estranha que leu dias atrás, antes de qualquer coisa, queria se sentir em casa novamente, retomar suas raízes. Às vezes parecia que ainda não tinha voltado para seu lar de verdade.
─ Vejo que você está fazendo progresso, Eirian, ─ começou o rei.
─ Sim, meu pai. Tenho aprendido muito do nosso reino, muitas coisas que podemos melhorar, ─ disse sem encontrar os olhos do pai, ─ Alguns pontos até discuti com seus conselheiros, acredito que eles os levaram até você... Sobre os impostos, principalmente, podemos melhorar para os menos afortunados.
─ Nosso reino é perfeito, meu filho, não precisamos mudar nada, ─ afirmou o rei com serenidade enquanto o príncipe levantava a cabeça.
─ Temos muitos pobres ainda, poderíamos usar... ─ ficou mudo ao notar os dois dedos do pai levantados, um gesto que pedia silêncio.
─ Não vamos falar dos pobres, Eirian. Eles não duram muito. Vamos falar de negócios. Espero que você tenha aprendido como funciona o sistema de renda neste reino. Como os impostos são calculados e cobrados. Como o povo colabora com o nosso sustento e nós orientamos o povo.
─ Sim, meu pai, foi justamente sobre isso que conversei com os conselheiros...
─ Shi, deixe-me terminar.
─ Claro, senhor.
─ Muito bem. Temos muitas terras conquistadas através das vitórias nas guerras, quero que você vá até Tarot, que foi purificada na última guerra, e reconstrua o castelo. Torne aquele reino próspero novamente, pagando impostos para nós, e você liderando diretamente. Leve quem precisar para fortificar o campo e criar animais. Não podemos deixar todo aquele espaço parado Não quero ter que matar ciganos imundos, caso apareçam por lá.
Eirian ficou pensativo por alguns instantes. Percebera um cunho diferente em seu pai, algo que não se sabia com certeza se conhecia antes de morar fora de Solaire. Talvez fosse melhor que não conhecesse. O que pesava naquele pedido era ter que deixar sua casa novamente. Mesmo com pouco tempo ali, deixar tudo para trás e recomeçar não parecia uma boa opção. Depois de tanto tempo longe de casa, ele queria criar laços novamente, ainda que raramente falasse com seu pai. Afinal, o ocorrido com sua irmã e sua mãe permanecia uma incógnita a ser questionada.
─ Então? – perguntou o rei, impaciente.
─Claro, meu pai. Será uma honra, ─ concordou o príncipe com um ar de relutância.
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Malakoi Desviado - *DEGUSTAÇÃO
Historical FictionSaiba mais, me segue no ig: @referliberico OBRA PARA DEGUSTAÇÃO, OBRIGADO A TODOS :) "Como a culpa se materializa? É subliminar. Onipresente, nos finca em um ciclo de violência que nos obriga a nos reinventar. - Você tem certeza mesmo que abusaram d...