Valentin não sabia, não tinha como saber, mas Eirian também sentia falta da companhia do guarda; querendo ou não, o príncipe tinha sentimentos mais humanos do que profissionais por aquele que considerava quase um amigo. Sem Valentin, o dia parecia mais cinza. Não tinha com quem conversar, ou alguém para tirar do sério. Além do mais, a reação do guarda, o tom de voz irritado que o guarda usara permanecia sem esclarecimento, o que deixava Eirian mais preocupado do que bravo.
Uma das habilidades que o príncipe mais se orgulhava de ter desenvolvido no oriente era o arco e flecha. Ele podia passar horas mirando e refinando a pontaria. Depois que voltara da viagem, não tinha mais se dedicado ao esporte como gostaria. Talvez aquele fosse um momento de sair sozinho, treinar em alguns alvos vivos, talvez lebres. Estava bem familiarizado com as redondezas e gostava da ideia de não ter um vigia o seguindo a todo o momento.
Selecionou um arco que era pouco usado. Era adornado com fios de ouro e desenhos que lembravam uma língua estranha, o que daria um ar mágico à caçada solitária. No estábulo, Secoya parecia sorrir com os olhos ao ver seu dono. Assim como tratava as crianças com ternura e amor, também o fazia para com o alazão, que retribuía o carinho encostando a cabeça na dele.
Arcos, flechas e Secoya. Montado e avante. Seguiu pelo portão da cidade e entrou na mata cerrada. Logo à frente, havia uma colina onde a vegetação era menos densa, onde talvez pudesse deitar-se na grama e tomar um sol quando se cansasse. Se seguisse para direita, estaria próximo ao carvalho que Valentin apreciava.
"Será que ele está lá agora?" Como uma reflexão de seus pensamentos, percebeu um vulto correndo mata adentro. "Valentin?"
Decidiu deixar de lado a curiosidade, e mesmo que fosse o guarda, nitidamente parecia que Valentin queria distância. Era melhor não remoer nada, mas ainda assim matutava.
"Devem ser dias ruins... talvez precise de um tempo, ou de conversar com alguém. Eu posso ajudá-lo, se for isso mesmo. Ele deveria conversar comigo. Mas que bobagem!"
Rumou sem intenções de atrapalhar o retiro do amigo. O cheiro da mata densa denunciava a chuva que caíra na noite anterior, e tudo estava tão úmido que Eirian não se surpreendeu ao notar uma névoa esbranquiçada sobre o chão. Quase se aproximando da colina, barulhos de passos o fizeram parar e observar. Talvez fosse Valentin ali por perto. Segurando as rédeas de Secoya, atentou-se para a esquerda, depois para a direita. Nada de vultos, nada de barulhos.
Batendo as botas na barriga do cavalo, retomou a cavalgada. Mas outra vez percebeu passos e barulhos estranhos ao redor. Rédeas na mão, olhou para ambos os lados, nada. Um corvo gralha no alto de uma das árvores próximas. Suspeitava que talvez não estivesse sozinho e isso começava a lhe incomodar. Novamente o sinal para que o amigo continue, que dessa vez nega.
─ Vamos, Secoya, ─ O animal permaneceu imóvel, ─ Secoya, ande, ─ Relinchos de negação, ─ SECOYA! ─ Insistiu quando percebeu que o amigo não respondia aos seus comandos.
O brado do príncipe atraiu o dono dos passos, que se aproximou vagarosamente. O som das folhas amassadas parecia vir de duas direções diferentes. O alazão relinchou outra vez e Eirian se armou com seu arco e flecha, preparado para mirar e atirar.
Em sua frente, os arbustos se moveram. A respiração ofegante do jovem se misturava com os batimentos rápidos em seu peito. Estava preparado.
─ QUEM ESTÁ AÍ? ─ Pulso firme. Secoya relinchou, ─ APAREÇA!
A pata grande e pesada, amassando a vegetação, foi o primeiro vestígio que Eirian notou; em seguida vieram focinho, olhos e orelhas. Há dois metros de distância, um urso marrom obedeceu a ordem real.
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Malakoi Desviado - *DEGUSTAÇÃO
Historical FictionSaiba mais, me segue no ig: @referliberico OBRA PARA DEGUSTAÇÃO, OBRIGADO A TODOS :) "Como a culpa se materializa? É subliminar. Onipresente, nos finca em um ciclo de violência que nos obriga a nos reinventar. - Você tem certeza mesmo que abusaram d...