Eirian acordou igualmente confuso e se viu sozinho na cama de feno. Desceu as escadas e chegou ao bar sem encontrar ninguém. Com certa tontura, abriu a porta cuja fechadura projetava a luz do sol para dentro e o clarão lá fora ardeu-lhe os olhos. Olhou para direita, esquerda, ninguém. Seu coração palpitava, sem lembranças em sua mente.
"Onde está Valentin?"
Vacilante, notou as marcas de botas que levavam até a entrada, outras que saíam. Entendeu que chegaram até ali. Mas por que diabos Valentin o teria deixado para trás? Seguiu o caminho para o castelo, e lá estava o guarda preparando os cavalos. Ao ver Secoya, correu em direção ao amigo, acariciou-lhe a cabeça e perguntou ao guarda:
─ Valentin, o que aconteceu?
─ Fomos sequestrados por uma louca.
─ Louca? Que louca? Eu acordei sozinho na taberna. Lembro que íamos verificar a origem da fumaça e... Nada mais, que estranho. Me sinto tonto. Você está bem?
─ O que importa é que já vimos o que tínhamos que ver. Vamos embora, ─ pediu, de cara fechada, entregando as manoplas para Eirian.
─ Vimos?! O que tinha lá? O fogo não estava aceso, estava? ─ O guarda evitava olhar diretamente para a realeza e não parecia querer dar atenção alguma ao príncipe. ─ Ei, Valentin, eu não entendo. O que aconteceu? Por que você não estava lá comigo? De que louca você está falando?
─ NÃO IMPORTA DE QUEM ESTOU FALANDO, MEU PRÍNCIPE! NÃO IMPORTA O QUE ACONTECEU! QUE OS CÉUS DESTRUAM ESTA MERDA DE TABERNA!
Eirian ficou mudo, apenas olhando Valentin montar o cavalo. O guarda sabia que tinha passado dos limites, mas não foi repreendido e nem se arrependia. Instantes depois, Vicar e os outros soldados saíram pelos portões do castelo e encontram príncipe e o líder da guarda, ainda em silêncio, mas prontos para partir. O escriba, sentindo a tensão no ar, ergueu uma sobrancelha para o príncipe, mas não iria perguntar o que havia acontecido.
O galope do cavalo quase ecoava em meio aquele silêncio.
Valentin e Eirian haviam chegado a Tarot como amigos, mesmo com os dilemas do soldado, mas agora nem uma palavra trocavam. Vicar e os soldados ainda conversavam entre si e se dirigiam a Eirian vez ou outra, mas nada quebrava o clima mórbido.
Remoendo as palavras de Diana, Valentin permanecia ao menos dez passos de distância da trupe. Nas tentativas infrutíferas de Eirian em conversar com ele, tudo que o guarda devolvia eram respostas curtas e secas. Por dentro, Valentin estava cada vez mais confuso e seus sentimentos o torturaram durante todo o percurso até Solaire, e dessa vez parecia mais longo.
"Imagine eu, estar com um homem? Quem ela pensa que é pra falar coisas assim de mim? Me julgando, como se eu fosse um desviado! Eirian é meu chefe, futuro rei que respeito, bonito, gentil... não, bonito não! Nem gentil! Ele é meu príncipe! Somente", ─ suspirou fundo tentando se ponderar.
De longe via o príncipe galopar sob os raios de sol que o banhavam gentilmente, Diana havia o deixado mais obsessivo. "Mas por que ela disse aquilo? Será que ele realmente sente atração por mim? Por que sentiria? Ela viu isso? Ele é jovem, poderia ter qualquer mulher do reino, ou homem se quisesse... será que meu príncipe é um desviado? Às vezes acho que ele me olha diferente, não quero imaginar que talvez eu o olhe do mesmo jeito. Daria pra saber na hora... Não existe possibilidade de acontecer algo, mas se acontecesse..." ─ mais um suspiro profundo.
"Se ele me tocar, se ele me fitar novamente, eu temo que não consiga desviar o meu olhar, ou repudiar seu toque... Mas ele me odeia agora, eu gritei com ele, mesmo que existisse essa possibilidade, mesmo que ele quisesse, eu estraguei tudo..." ─ Sua atenção foi roubada pelas pedras que Brutus chutava enquanto galopava, ─ "Se aquela vaca abrir o bico... Devia ter cortado-lhe a cabeça! Eu sei o que fazem com desviados em Solaire. Torturariam-me em público. Pior, Koldo faria isso... Não sou um desviado! Não gosto de Eirian! Vou voltar pra guerra."
Apesar de um excelente guerreiro, Valentin era incapaz de vencer sua maior batalha, aquela que ele lutava contra si mesmo. O discurso que usava para se convencer era sempre o mesmo: pôr uma pedra em tudo aquilo que tinha dificuldade para admitir, assim como fez com seus pais e o que sentia por eles. Estava determinado a sair daquela enrascada, como sempre fez na vida, fugindo daquilo que o deixava desconfortável. Esta parecia ser a solução mais fácil e menos dolorosa.
Detodas as possibilidades que traçava em sua mente, nenhuma o levava a um finalfeliz. Estava totalmente sem esperanças. Se o rei Maximus desconfiasse de algumrelacionamento afetivo entre seu filho e o líder da guarda, com certezaValentin não sobreviveria dois dias. Sua única certeza era que, ao chegar emSolaire, pediria exoneração do cargo, voltaria para o campo de batalha epararia de sofrer.
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Malakoi Desviado - *DEGUSTAÇÃO
Ficção HistóricaSaiba mais, me segue no ig: @referliberico OBRA PARA DEGUSTAÇÃO, OBRIGADO A TODOS :) "Como a culpa se materializa? É subliminar. Onipresente, nos finca em um ciclo de violência que nos obriga a nos reinventar. - Você tem certeza mesmo que abusaram d...