Vestígios do Passado

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A festa ficava cada vez mais animada. Valentin comia e bebia com os seus guardas que o acompanharam nas guerras e foram recém transformados em guardiões da corte. Ocupando um lugar na mesa, o príncipe recém-chegado aproveitava para conhecer cada um dos novos membros da Guarda Real.

─ Na China as prostitutas mais bem pagas são as que não têm dentes! Sabem chupar um pau como ninguém, ─ comentava Eirian, bêbado.

─ Devíamos arrancar os dentes de umas cadelas aqui! ─ bradou um dos guardas, também bêbado, enquanto outro segurou pelo braço uma mulher feia que passava. Quanto mais a coitada se esquivava, mais eles se esforçaram para chegar até o queixo da moça.

─ Deixem essa em paz! ─ disse um deles, rindo da cena.

─ São bravas essas mulheres! Deviam estar felizes agora! Já tem vários colos para sentarem novamente, ─ disse outro ainda, batendo sobre as próprias coxas e gritando: ─ Põe essa bunda aqui!

Valentin apenas observava o salão, com o olhar estudando os presentes. Estavam muito entretidos em seus mundos, vivendo aquela felicidade momentânea. "Encherão o bucho e irão dormir até depois que o galo cante," ─ pensou. O rei realmente sabia dar uma festa. Viviam a doutrina cristã de acordo com Maximus, que se distanciava muito daquela pregada pelo Papa. No dia seguinte, quem trabalhava eram somente aquelas mulheres que tinham que limpar tudo e carregar os remanescentes bêbados para casa.

Uma sensação gélida, rápida e seca, tocou o estômago de Valentin quando ele aterrissou os olhos em Eirian do outro lado da mesa. O excesso de álcool fazia com que o príncipe puxasse a conversa alegremente, o que o deixava com uma aura radiante, que intensificava os traços finos do rosto do jovem de olhos cinzas. Naquele momento, rejeitou, pela razão, aquele espasmo que não sentia há muito tempo ao olhar para alguém.

─ Cavalheiros, ─ disse Valentin em tom de despedida, levantando-se.

─ Não me deixe desprotegido, guarda real! ─ disse Eirian, rindo vigorosamente e expelindo o bafo de álcool no ar, ─ Sem você, posso sucumbir esta noite.

─ Não tema, meu senhor. Nossos corajosos guardas zelam por sua vida e sua honra esta noite, ─ respondeu Valentin, erguendo a espada em uma das mãos, tentando manter o humor.

"Será que ele realmente quer que eu fique?" Pensou.

Dos tantos cômodos naquele castelo, o quarto exclusivo atribuído à Valentin era um dos mais longínquos do salão central. Titubeante, caminhou entre as paredes de pedra pelo corredor frio e úmido. O passadiço era iluminado apenas por algumas poucas tochas presas na parede. Pequenas janelas quadradas pareciam se encontrar com o teto, estas permitiam que alguns flocos de neve caíssem lentamente ao chão como se acompanhassem o caminhar do guarda.

Os acontecimentos daquela noite permaneceriam em sua mente. "Logo eu, depois de tudo, virar guarda real novamente". Não era surpresa, mas havia certo triunfo em seu pensar. Devaneios do passado brotavam em sua frente. Aquele sangue todo espalhado na cama, o cavalo nervoso relinchando sob a tempestade, a lua cheia banhando generosamente de luz o carvalho que Valentin costumava repousar. Sua respiração ficava ofegante, suas memórias jogadas na frente de seus passos como se fossem pedras pedindo para serem pisoteadas, sem nexo nem delicadeza. Um mar azul escuro de ondas tortuosas, o peso da água invadindo seus pulmões, aqueles laços de fita rosada que se perdiam no mar. Suspirou fundo, como se tentasse puxar de volta o ar que lhe havia sido roubado dos pulmões, enquanto seu coração batia fora do peito. "Eu estou bêbado".

─ Valentin? ─ assustada, a virgem observava pela fresta da porta aquele brutamontes, com respiração pesada e rosto molhado de suor, encostado na parede do lado de fora do aposento.

─Vamos dormir, ─ respondeu Valentin, com os lábios quase cerrados, e entrou noquarto junto com a virgem.   

Malakoi Desviado - *DEGUSTAÇÃOOnde histórias criam vida. Descubra agora