Capítulo 14

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- Quando eu o conheci, era só um italianinho babaca de nove anos que não sabia falar nada de português. Fui eu que ensinei ele a falar a nossa língua. Também, fui eu que arrumei a primeira namorada pra ele, e também o primeiro trabalho nas férias, a primeira briga, e quase tudo o que ele aprendeu na infância. Foram dezessete anos de amizade. E desses dezessete anos, dá pra contar nos dedos os dias que ficamos sem nos ver. Teve aquela vez que ele foi visitar os avós na Itália, ele ficou quatro dias lá. E também, teve a vez que ele pegou caxumba. Natal, ano novo, sábados, domingos, feriados em geral, estávamos sempre juntos. E agora acabou, eu não sei como eu vou conseguir viver sem ele. Não sei se vou conseguir lutar pelo próximo dia sem ser sob as ordens dele. Ele vai fazer falta pra mim, já está fazendo. Eu só quero que… sei lá, a morte dele não tenha sido em vão.

   Após o desabafo, Richard colocou a Taurus em cima da mesa, e empurrou ela para Erick.

- A gente vai dar um jeito - disse Richard.

   Ele se levantou, e caminhou até as escadas.

- Ainda confia em mim? Aponto de me deixar armado, mesmo depois do que eu fiz?

- Não se culpe tanto Erick. Acho que todos aqui já teve vontade de atirar no Bill - disse rindo -, o importante é que o moleque está bem.

   Erick entendeu a piada, e deu um riso de canto. Richard estava prestes a subir as escadas, mas antes, teve que dizer:

- O Jason me ensinou muita coisa desde que eu o conheci. E como eu já disse antes, se não fosse por ele, eu estaria morto agora. Não sei se serei capaz de seguir a ideia dele de ajudar as pessoas, mas me esforçarei ao máximo para ajudar quem merece, já os filhos da puta eu terei outra postura. E pra você, Andrew merece ajuda, ou é um filho da puta? Agora com a cabeça fria, você consegue pensar melhor. Além disso, você sabe onde ele está agora, e se colocar uma bala na cabeça dele te fizer se sentir bem, faça isso.

   Richard subiu as escadas, ele pode observar Greg aplicando soro no braço de Bill através do cateter. Ele então seguiu o corredor, e através da porta do outro cômodo. Os choros de Michele e Amanda eram audíveis. Ele passou direto, e foi até a sacada, onde encontrou Lince.

   A garota estava apoiada no parapeito, com um cigarro entre os dedos, soltando fumaça para o alto.

   No horizonte, o sol já dava o seu adeus. Com certeza, desde que tudo começou, esse foi o dia mais conturbado ao lado do dia do mercadinho.

   Richard caminhou até Lince. Se apoiou no parapeito ao lado da garota. Dalí, ele conseguia ver o carro onde Andrew estava no porta-malas. Se perguntava se havia sido uma boa ideia entregar a arma para Erick, e dar toda essa liberdade para ele. De qualquer forma, Richard só queria ir embora. Ele apenas queria pegar uma longa estrada onde seria apenas ele, um carro, um cigarro e uma paisagem maravilhosa de se observar.

   Haviam cerca de pelo menos meia dúzia de infectados em cada uma das extremidades da rua. Com certeza estavam ali por causa do disparo de Erick a poucos minutos atrás. No entanto, era sempre a mesma coisa, os desalmados ficavam beirando a barreira durante alguns minutos, depois mudavam a direção.

   O senso de locomoção dos doentes era zero. Era curioso a forma como agiam, se verem você, são capazes de derrubar uma parede para te pegar, porém, se te perderem de vista por um segundo, perdem o interesse por completo, e passam a vagar por direções alheias. Ainda era um fato peculiar esses doentes de merda não conseguirem saltar os carros, todavia, isso não era nem um pouco ruim para os sobreviventes.

- Parece que alguém vai morrer de câncer - disse um sarcástico Richard.

   Ele realmente teve coragem de conversar numa boa com Lince, cuja mesma, estava prestes a rasgar sua garganta a poucos instantes atrás.

Os mortos e os perdidosOnde histórias criam vida. Descubra agora