Capítulo XVI - Passos

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Os espaçados degraus de mármore tornam a subida quase uma escalada. Uma árdua e melancólica escalada para Lance.

De trás de Keith, a cada passo, a figura polida do legítimo herdeiro se eleva, sobrepondo a negra e sedosa visão dos cabelos arrumados de sua companhia. E tal cena basta para Lance entortar a boca em um beicinho emburrado, amaldiçoando a existência do príncipe de Daibazaal em um momento tão importante como sua valsa.

"Ao menos o infeliz sabe como dar uma festa", ele se consola. Mas, muito em breve, a festa não seria álibi suficiente para livrar Lotor de um final trágico.

Ciente de cada centímetro do palácio, Keith elabora um mapa mental minucioso do ambiente: O príncipe está cercado de damas de companhia enquanto outros convidados o entretêm com conversas maçantes sobre política. Bem como no térreo, guardas se espalham ao longo dos corredores, isolando as passagens, salvo por algumas salas que permaneciam abertas para deleite dos convidados.

Ao chegarem no piso superior, eles se encontram a poucos metros de Lotor, mas qualquer aproximação seria impossível devido à cerca viva de membros da classe alta. Sem muitas alternativas, e ainda com tempo de sobra, eles se põem a caminhar despreocupadamente pelo corredor observando a festa no salão abaixo.

À esquerda uma grande porta em arco os convida a entrar no que parece ser uma sala de estar e, sujeitos ao papel de visitantes, se permitem explorar o local. Uma grande lareira, algumas estantes de livros e sofás largos com adornos em ouro decoram o vasto espaço do cômodo, onde apenas Lance, Keith, dois homens e uma moça estão acomodados.

Eles atravessam a sala lentamente, admirando a decoração arrojada do chão ao teto. Ao passarem pelo trio de desconhecidos, escutam parte da conversa diplomática regada a champanhe e sobriedade do cômodo quase vazio.

- O que você julga como arriscado, meu caro, eu julgo como estratégico. – Um dos homens se pronuncia, gesticulando com a taça de champanhe. – Preciso de motivos maiores para duvidar das capacidades dele. Quer dizer, mesmo durante o governo de seu pai, o príncipe já havia tomado partido de questões menores na política e se saiu muito bem.

- Muito bem lembrado, meu amigo: "questões menores". É fácil lutar contra um lobo, mas contra uma matilha?! Não, não... Não creio que seja a melhor escolha no momento. Estamos em crise. – O segundo rebate.

- Tempos de crise requer medidas drásticas. – A mulher ingressa na conversa, saboreando uma longa tragada em sua cigarrilha. – Talvez a opção mais sensata no momento é fazer o que ninguém ousaria fazer. Dou créditos a ele por isso.

- "Sensata" você diz, milady? Dividir um poderio militar enfraquecido? É como uma lebre deitar de bom grado perante uma raposa faminta.

- E o que acha que a dita raposa faria numa situação dessa, meu caro?

- Devoraria. Sem pestanejar.

- Pois posso lhe garantir que nenhuma presa fácil é sinal de confiança. Predadores não se aproveitam de carne exposta, carniceiros sim. E sabe por que? Porque há sempre um prejuízo por trás do caminho mais fácil.

- Bom, e o que são aqueles rebeldes senão carniceiros?

- Não são tão burros quanto pensa. – A mulher retruca.

- Que seja! O fato é que sofremos baixas. O império de Zarkon nos garantiu diversas vitórias, sim, mas não podemos negar que nos últimos anos sua condição debilitada o levou a tomar decisões imprudentes. Nosso poder militar foi mal aproveitado e por isso perdemos tantos soldados.

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