Se arrependimento matasse, provavelmente eu já estaria à sete palmos do chão. Acho que eu nunca odiei tanto essa minha mania de ser compreensivo quanto odeio agora. Afinal, se eu não tivesse concordado em me manter afastado assim como ela pediu, as coisas não teriam se complicado ainda mais entre nós dois.
Não serei hipócrita. A Manu estava em seu direito de ter esse tempo, com tudo o que aconteceu, era o mínimo. Além disso, seria muito egoísmo da minha parte se eu não tivesse respeitado isso. Ainda que eu tenha insistido durante uma semana pelo contrário, estava certo que era o certo a fazer.
Dar o seu espaço e esperar.
Minha vida nos últimos dias se resumiu a esperar e remoer o quanto eu sou patético. Deveria ter dito a verdade quando tive chance, ou melhor, deveria ter confrontado a minha verdade ao invés de continuar com o rabo entre as pernas, como sempre foi desde que me lembro.
E olhando de onde estou agora, depois de tudo o que vive esses meses, só o que consigo sentir é vergonha de mim mesmo. Tento me fazer de forte, rir com os meus amigos e agir normalmente sendo o cara tranquilo de sempre. Mas, no fundo, eu deveria simplesmente parar de fingir e aceitar de uma vez por todas que eu sou um completo covarde.
Olho para a folha de questões mais uma vez. Está em branco, exatamente como a quinze minutos atrás. Sendo sincero, não estou nem um pouco à fim de fazer essa merda, mas se eu continuar parado e divagando, vai ser a deixa perfeita para o professor de biologia vir encher o meu saco e a resposta que pretendo lhe dar caso isso aconteça, não será nada agradável. Com certeza, muito pelo o contrário.
Minha paciência está se esgotando.
– Problemas para resolver as questões, senhor Sebastian Wylie?
Olho para o lado e encontro o sorrisinho brincalhão do Andrew. Solto um riso soprado. Ele diz como se estivesse com todas completas.
– Eu estou bem, só com preguiça. – eu respondo.
– Já que você não perdeu o seu grande QI, pode me passar a resposta da sexta questão?
Leio rapidamente a pergunta e viro outra vez para dar a resposta, mas assim que ouvimos um pigarro vindo da frente da sala, voltamos a ficar retos nas cadeiras.
Eu até estava disposto, mas sem cola por hoje, Andy.
Vislumbro Johnie de relance na mesa do outro lado e, como há dias, suas sobrancelhas estão franzidas. A raiva não deixou o seu rosto desde que os rumores do suposto namoro do professor Jackson com a professora Clara começaram.
Fico imaginando como deve estar sendo complicado para o meu amigo aguentar todos esses comentários que estão rolando e não poder dizer nada, principalmente porque se trata de fofocas sobre a sua mulher com outro cara. Isso provavelmente está o matando por dentro. Bem, seu aborrecimento descarado não nega.
Apesar de ambos sabermos que a Clara jamais o largaria e menos ainda por causa do Jackson, ter que suportar o colégio inteiro falando do boato e permanecer calado para que não aconteça algo pior está longe de ser fácil. O que me faz pensar que a minha situação se comparada com a do meu amigo é mil vezes mais simples de resolver. Só o que eu preciso é tomar vergonha na minha cara.
O sinal do final da aula toca e quase dou um pulo da cadeira ao ver a minha folha completamente em branco. Respondo o que consigo - quase todas - só para que o professor não peça a minha presença na sala do orientador e entrego para Jimmy, que recolhe as folhas do restante do pessoal.
Precisando molhar um pouco a garganta e esticar as pernas, aproveito a troca de aulas para sair da classe e ir até o banheiro do corredor. Assim que ponho os pés para fora, vejo a professora Clara entrando no Terceiro C e por um minuto tenho vontade de pará-la e perguntar por Manu. Mas, me contenho. Se John está chateado, eu não duvido que ela também esteja do mesmo jeito.
Não preciso enchê-la com os meus problemas, sendo que ela já está atolada até o pescoço com os seus.
Tomo um belo gole d'água e molho o rosto. A cada dia faz mais calor e eu não vejo a hora de poder me livrar desse blazer que somos obrigados a usar. Enrolo mais alguns minutos até o segundo sinal tocar para retornar à sala e acompanho as demais aulas com a mesma animação das outras: zero.
Entre a distração de um e outro professor, pego o celular para conferir as mensagens. Já perdi as contas de quantas vezes tirei o celular do bolso na esperança de encontrar uma mensagem da Manu dizendo que posso ir vê-la, assim como já perdi as contas de quantas vezes digitei a mesma mensagem pedindo que nos encontrássemos e apaguei.
Droga! Por que eu estou fazendo isso ser tão difícil?
Quando o período acaba, pego as minhas coisas e vou direto para a saída, onde o motorista me espera para então seguirmos para o cursinho. Por ter levantado suspeitas aquele dia, decidi que voltaria para as atividades extracurriculares por um tempo para deixar a poeira baixar. E claro, para eu não enlouquecer até Manu resolver dar fim ao nosso afastamento.
E cá estou eu, imerso nessa merda de rotina novamente: casa - colégio - cursinho - casa.
Me arrasto para dentro do prédio. Austin e Lowell, que vieram no carro de trás, me seguem pelo corredor, uma vez que também estudam aqui. Igual a mim e a maioria dos filhos de ricos da cidade. Mas, ao contrário do colégio, nós estamos na mesma sala.
Durante mais de duas horas, finjo prestar atenção no que os professores explicam na lousa. Passo a maior parte das aulas com a bochecha apoiada sobre a mão e olhando através da janela. Nada parece fazer mais sentido.
Meu coração está pesado e magoado, não só por conta da distância, mas por saber que a mulher que eu amo também está sofrendo e é tudo culpa minha. Por não ser corajoso o suficiente para confrontar quem eu devo.
– Eu não aguento mais! – agarro os cabelos e bato com a cabeça na mesa. Uma, duas, três vezes – Se eu continuar sem falar com ela, acho que eu vou surtar!
– Amigo, você já surtou. – sinto a mão de Austin sobre o meu ombro, mas não me mexo – Você deveria ir logo conversar com a sua namorada.
– Me conta uma novidade?!
– Comprei o novo Mário Kart ontem à tarde. Edição deluxe.
– O que? – olho-o, desnorteado com a mudança repentina de assunto.
– Nada. – balança a mão, com uma expressão tediosa – O que eu quero dizer é que já passou da hora de você procurar a sua namorada e explicar o que aconteceu.
– E explicar para nós também. – Lowell se mete, dando uma de ofendido.
Eu não contei a nenhum deles, nem mesmo ao John, o motivo da minha briga com Manu. Como de costume, preferi guardar para mim.
Depois de dar um peteleco na testa do idiota ao lado, Austin volta a falar:
– A questão é: ela pediu um tempo e você acatou. Okay, muito válido da sua parte respeitar o pedido dela. Mas você não acha que precisa tomar uma atitude se realmente quer que essa situação mude?
– Ele tem razão. – Lo diz. – Está mais do que claro que, ou alguém toma uma atitude, ou as coisas continuarão desse jeito.
– Eu te conheço, Seb. – Austin continua – Sei que está com medo de ir até lá e ferrar com tudo. Mas será que isso não é exatamente o que você precisa fazer?
– O que? Ferrar com tudo?
– Não, idiota. Ir atrás dela. – revira os olhos – Talvez a sua namorada esteja esperando que você tome a iniciativa ou, caso não esteja, você pode surpreendê-la. Duvido muito que ela se recuse a falar contigo se aparecer na casa dela.
– Francamente? Eu não duvido que ela me colocaria para correr a pontapés.
– Ainda que fosse. Você pelo menos poderia usar a oportunidade para tentar explicar. Enquanto ela acerta a sua bunda, você fala.
Ele e Lowell riem e, bem, eu acabo rindo também. Não é o melhor plano da Terra, mas faz mais sentido do que ficar sentado e esperando feito um imbecil.
No restante das aulas, reflito em relação ao que meus amigos disseram e enfim tomo a minha decisão: irei até a casa da minha namorada, ainda que ela me chute para fora.
Eu realmente estava com receio de procurá-la e ferrar com tudo. Foi graças à esse medo que hesitei tanto até agora. Porém, tal como Austin falou, talvez seja justamente essa atitude que me dará a chance de consertar o nosso relacionamento e, de quebra, tomar isso como impulso para resolver os meus dilemas com um outro alguém.
Pouco depois das oito da noite, estamos livres. A minha ansiedade está gritando desde o momento em que decidi ir até a casa dela e eu praticamente voo para a saída logo que somos liberados. Meus amigos ajudam a bolar uma desculpa para que o motorista dê o fora e eu consiga escapar sem que ele esteja na minha cola. E assim que me vejo livre desse empecilho, entro no primeiro táxi vago que passa e desapareço.
Minha perna balança para cima e para baixo sem que eu possa controlar. Minhas mãos soam. Estou tão nervoso, que cogito seriamente em pedir ao taxista que pare só para que eu saia e respire todo o oxigênio que parece faltar nos meus pulmões nesse instante. Contudo, ainda que cada golfada de ar seja dolorosamente difícil, deixo que prossiga. Se eu me desesperar agora, não quero nem imaginar o que vai acontecer quando estiver em frente à sua porta.
Bem, esse plano de manter a calma até aparentava ser promissor, isso até o táxi estacionar diante o portão azul e o nervosismo voltar a me socar a cara - e o abdômen, que se encolhe de imediato.
Após pagar a corrida e estar finalmente na calçada, encaro o cimento sobre os meus pés e respiro fundo. O coração martelando com mais força do que uma britadeira.
– Vamos, Sebastian. Não seja frouxo! – digo a mim mesmo, como encorajamento.
Inspiro e expiro algumas vezes antes de dar o primeiro em direção a porta. Atravesso o pequeno jardim da entrada e passo a mão na calça do uniforme, limpando o suor, para apertar a campainha. O som estridente do sininho vibra por todo o meu corpo.
Sem conseguir controlar a minha perna, deixo que ela suba e desça outra vez enquanto a expectativa de que Manu atenda logo a porta cresce. Porém, isso não acontece. Tento novamente. Aperto a campainha e espero. Mas o resultado é o mesmo: nada.
Me afasto um pouco para examinar. As luzes estão acessas e como eu sei que Clara foi a tal confraternização com os demais professores e a diretora, a única pessoa que pode estar aí dentro é a Manu. Então... Será que ela sabe que sou eu e por isso está ignorando? Bem, que eu saiba, não tem como ver quem está na entrada à não ser pelo olho mágico ou a janela ao lado da porta. E eu não notei nenhuma movimentação.
Apanho o celular do bolso e busco o seu número, no entanto, desisto de ligar ao considerar que ela não vai sequer abrir a porta se souber que sou eu quem está atrás dela. Tenho que surpreendê-la ou as minhas chances vão por água abaixo.
Tem que haver uma maneira de eu saber que ela está em casa, mas qual? Não posso ligar e insistir em apertar a campainha é perda de tempo. Penso... Penso... Penso...
A janela do quarto!
Caralho, como não lembrei disso antes? A janela do seu quarto, o lugar por onde eu entrei tantas vezes, é a maneira perfeita de surpreendê-la. Só espero que esteja aberta e que Manu não tenha tirado aquelas caixas que eu usava como apoio para subir.
Dou a volta na casa, torcendo mentalmente para que alguma luz indique que não está fechada, e quase levanto as mãos aos céus assim que a vejo completamente aberta. Até as caixas estão no mesmo lugar, o que vai ajudar bastante para que eu suba e não arranque um pedaço das pernas no processo.
Apesar de não ser o esportista do ano, escalo a lateral para a sua janela com facilidade, tomando cuidado para que nenhum dos vizinhos vejam. Mal os meus olhos enxergam dentro do quarto e percebo que está vazio, mas, além da luz, a televisão também se encontra ligada. O que significa que Manu realmente está aqui.
Cautelosamente, passo uma perna sobre o batente e depois a outra, e entro. Olho ao redor e uma onda de saudade me alcança numa pancada. Não fazem sequer duas semanas, mas sinto como se fosse uma vida inteira. Eu estaria mentindo se dissesse que não sofri como um maldito por não tê-la nos meus braços, porque foi exatamente o que aconteceu. Me afundei nas lágrimas dia após dia. Eu sofri e ainda sofro.
E esse pedaço dentro de mim que permanece oco desde então, estará preenchido somente quando eu compensar cada lágrima que fiz a minha namorada derramar. Quando eu tiver o seu perdão e, principalmente, quando estivermos juntos novamente.
Por que eu a amo. Amo demais e aprendi que nada vale a pena se não for com ela. Por ela.
Permaneço parado e de pé no centro do tapete, aguardando que Manu volte e me veja aqui plantado. Contudo, da mesma forma que ocorreu na porta, ela não aparece. Mais inquieto do que no momento em que cheguei, dou alguns passos e me aproximo do corredor. Não escuto o barulho do chuveiro e de mais nada, à não ser a TV atrás de mim. E, subitamente, um mau pressentimento me tranca a garganta.
– Manu?! – chamo, não posso conter.
O silêncio é a minha resposta. Cada vez mais agitado, vou pelo corredor até a sala e acabo chutando sem querer uma tigela caída no caminho. Eu a pego, um tanto intrigado. E mal tenho tempo de colocá-la em algum lugar, pois deixo que caía outra vez, produzindo um baque surto ao encontrar o chão.
Meu coração salta dentro do peito no instante em que enxergo dois pés estendidos por detrás do balcão da cozinha. Num impulso de adrenalina, corro e o ar me escapa quando encontro Manu desacordada ao lado de alguns cacos de vidro.
– Manu!
A primeira reação que tenho é pegá-la pelos ombros e sacudir para fazer com que desperte. Seu rosto está pálido. Balanço e balanço, mas ela continua inconsciente.
– Querida! Manu, por favor, acorde!
Mas não adianta.
Tomando cuidado para não machucar ainda mais, firmo do jeito que posso o seu pequeno corpo desmaiado em meus braços trêmulos e a afasto do vidro espatifado no chão, que, acredito eu, deveria ser um copo.
Sento no sofá com ela em meu colo e passo a mão suavemente sobre o seu cabelo molhado de suor. Chamo-a de novo e de novo, noto a minha voz saindo mais angustiada, tão trêmula quanto as minhas mãos. Preciso manter a calma ou quem vai acabar desmaiando sou eu.
Com algum custo, alcanço o celular no bolso de trás e o agarro. Tenho que fazer algo a mais do que entrar em pânico. Disco o número da emergência e quase berro no ouvido da atendente. Explico a situação com uma falsa tranquilidade, que chega a me espantar. E a mulher do outro lado da linha garante que em dez minutos a ambulância estará aqui.
Assim que desligo, aperto Manu contra o meu peito e beijo o topo da sua cabeça.
– Vai ficar tudo bem, amor. Eles estão vindo. Vai ficar tudo bem.
Repito essa frase pelos minutos que se seguem, não se sei para fazê-la ouvir ou para convencer a mim mesmo.
Ao ouvir a sirene estourando do lado de fora, ajeito Manu no sofá e disparo para atender a equipe médica. Dois enfermeiros entram como um furacão, enquanto um terceiro traz uma maca junto. Observo-os prestando os primeiros socorros com o coração na mão e antes que eu possa me lembrar de como respira, uma mulher de cabelos castanhos e presos se põe a minha frente. Eu a encaro.
– O que você é dessa moça?
– Namorado.
Nem hesito. Não vou me preocupar se estamos brigados ou não, é o que menos importa no momento; a mulher me analisa por uns segundos e depois de fazer uma anotação na prancheta que carrega, diz:
– Temos que levá-la ao hospital. Você vai acompanhar?
– Claro!
– Então vamos.
Entro na traseira da ambulância e sento no banco. Minha mão agarra instantaneamente a sua, que agora está recebendo soro, e fecho olhos pedindo para que ela fique bem.
O caminho para o hospital não demora muito. As portas da ambulância se abrem e os enfermeiro saltam, descendo a maca e correndo para dentro. Eu corro logo atrás e, como não poderia deixar de ser, sou barrado quando ultrapassam as portas da emergência.
Totalmente contrariado, me instalo em uma das cadeiras de plástico da área de espera e junto às mãos logo que apoio os cotovelos sobre os joelhos. Eu queria estar com ela. Deveria estar com ela. Mas tudo o que posso fazer e o que tenho feito há dias é esperar.
Acho que passou uma hora, ou talvez menos ou talvez mais. Não importa. A questão é que até o presente momento ninguém veio me dar notícias e eu já não aguento mais ir de um lado para o outro nessa maldita sala de espera. Vou e volto, ando em círculos, conto as cadeiras de cada fileira para não surtar de vez.
Mais uma hora.
Bebo o terceiro copo de café da máquina no final do corredor e sinto a necessidade quase inconsciente de tomar o quarto. Minha cabeça dói. Não vejo um funcionário passar por aqui há muito tempo e começo a me arrepender de não ter feito o escândalo que estava arquitetando na última uma hora que passou.
De repente, lembro que não avisei a Clara que sua amiga está no hospital e então apanho o celular para ligar. Porém, da caixa postal. Ligo mais duas vezes e dá no mesmo. Parto para a segunda opção: John. Disco o seu número, demora umas três chamadas, mas ele atende:
"Alô?!"
– Alô, Johnie?!
"Ah, oi... Aaahh Sebby."
– Cara, eu preciso te falar uma coisa.
"Mano, tem que ser agora?"
– Sim. É realmente importante e...
Ouço um suspiro alto pela linha, seguido por um "Ah meu bem, mais devagar. 'Tô no telefone" e a minha ficha cai. Porra! Sério que eu estou falando com ele enquanto está fazendo sabe-se lá o quê com a Clara?
Bom, ao que tudo indica, pelo menos um de nós se resolveu.
– Pelo amor de Deus, cara! – censuro – Dá pra você parar o que está fazendo e me ouvir?
De novo, ouço burburinhos do outro lado da linha e então ele diz, num tom emburrado:
"É bom que seja mesmo um assunto importante para interromper a minha transar de reconciliação."
Quando explico o que está acontecendo, seu tom contrariado dá lugar a preocupação, e ele assegura que virá com a Clara para hospital o mais rápido possível. Dou-lhe o endereço e encerro a ligação.
Mais uma hora.
Por que essa demora toda? O que está acontecendo, afinal?
Sem dar a mínima se vou abrir um buraco no chão, continuo andando de um lado para o outro. Até que avisto Clara e John entrando juntos na sala de espera. Ela corre em minha direção e me abraça. Provavelmente eu estava precisando de um ombro amigo, pois a aperto e começo a chorar. A angústia falar mais alto.
– Sebastian, se acalme. Vai ficar tudo bem. – a professora passa a mão em meus cabelos – O que disseram?
– Esse é o problema. Não disseram absolutamente nada! – me afasto e seco as lágrimas com as costas dos dedos – Eu estou aqui a mais de três horas praticamente e não tenho uma notícia. Não sei se ela está bem ou não. Não sei de nada!
– Se acalma, Seb. – John se põe ao meu lado e passa o braço ao redor dos meus ombros – Como a Clara disse, vai ficar tudo bem. O importante é que a trouxeram para cá e estão cuidando dela.
Balanço a cabeça, concordando. Por mais que eu ainda esteja aflito, eles têm razão.
Nós três nos sentamos e eu conto como encontrei Manu desacordada no chão da cozinha. Estamos conversando, quando uma médica aparece na porta da emergência e grita:
– Patentes da paciente Manuela!
Nós nos levantamos de imediato e corremos até a mulher de jaleco branco.
– Vocês são parentes?
– Eu sou amiga. Nós moramos juntas.
– Okay. – faz anotações e aponta para John e eu – E vocês?
– Eu sou namorado dela. – meu amigo pega no ombro de Clara.
– Então, você deve ser o namorado da paciente. – olha-me – O que veio com ela?
– Isso mesmo.
– Certo. – outra vez, mais anotações – Bem, a senhorita Manuela está no quarto. Esta acordada e fora de perigo. Desculpe a demora para chamá-los, mas tivemos que fazer alguns exames.
– Mas ela está bem, certo? – pergunto, agoniado.
– Sim. Era apenas um caso de anemia. Ao que parece, a senhorita Manuela não estava se alimentando direito nos últimos dias.
Sinto-me tremendamente culpado. Porque, no fundo, sei que foi por causa da nossa briga. Entretanto, me sinto aliviado por não ter sido algo mais grave.
– Podemos vê-la?
A médica consente e subimos para o andar dos quartos.
Uma vez diante a porta do local onde Manu está descansando, a médica de cabelos louros para e orienta:
– Só pode entrar uma pessoa por vez. Quem será o primeiro?
Meu impulso é entrar. Mas como não sei bem como ela irá reagir se eu entrar de uma vez, dou uma batidinha no ombro de Clara e digo:
– Vai primeiro.
– Tem certeza?
– Sim. E diga que eu estou aqui. Se ela não quiser me ver, vou entender.
Ela concorda e entra no quarto juntamente com a médica. John e eu ficamos no corredor. Me recosto na parede e o meu amigo toma posse de uma das cadeiras. Ambos permanecemos quietos, aguardando que Clara saia e, quem sabe, eu entre.
Pelo canto do olho, reparo que ele quer falar. Esse gesto de passar a língua no interior da bochecha é um sinal nítido de que está agitado. Talvez só queira quebrar o clima estranho. Mas estou tão nervoso, que prefiro continuar calado.
A médica não demora a sair do quarto e, um pouco mais de dez minutos, é a vez da Clara sair. Eu a encaro, ansioso. Noto seu olhar um pouco nervoso, mas ela sorri e fala:
– A Manu quer te ver.
Ao ouvir tais palavras, abro um sorriso que não cabe no meu rosto e o meu coração dispara. Ela quer me ver!
Clara me dá um tapinha encorajador nas costas e me empurra em direção a porta. Respiro fundo e entro, encostando a porta em seguida. Manu está na cama, com o soro no braço e olhando diretamente para mim.
Por um instante, não sei distinguir o que seus lindos olhos expressam, mas, assim que ela estica a mão e me chama com a voz um tanto fraca, eu simplesmente me lanço na direção da cama e a trago para os meus braços.
Com delicadeza para não esbarrar na agulha e não a machucar, aperto-a contra o meu peito e aproveito para cheirar os seus cabelos como adoro fazer. Quase não há rastro do xampu de pêssego que costumar usar, mas isso é o que menos importa.
Incapaz de segurar os sentimentos que transbordam em mim, seguro gentilmente o seu queixo, ergo o seu rosto e a beijo. Nada muito intenso, mas o suficiente para demonstrar o quanto eu senti a sua falta. E por sua entrega, tenho a completa certeza de que também sentiu a minha.
No instante em que nos afastamos, minha querida Manuela sorri e afaga os fios do meu cabelo, parecendo admirada.
– Sebby, querido, você está loiro.
– Gostou? – ela balança a cabeça e eu a beijo de novo – O roxo estava saindo e como eu não estava com a mínima vontade de pintar outra vez, apenas descolorir.
– Ficou realmente bonito. Eu adorei!
– Obrigado!
Pelos próximos minutos, eu apenas beijo e mimo Manu, acabando com toda a saudade que esses dias afastados criaram. Não falamos sobre o que ocorreu aquele dia. Durante esse pequeno momento, agimos como se não houve mais nada além de nós dois e o nosso amor.
No entanto, por mais que eu queira prolongá-lo eternamente, o certo é dar-lhe uma explicação e me preparar para implorar o seu perdão, caso seja necessário.
– Eu sei que precisa descansar e a última coisa da qual deveríamos conversar é sobre a nossa briga, mas eu tenho que falar. Eu fui na sua casa exatamente para isso, então... Eu acho que seria justo falar agora. Te devo uma explicação e...
Manu põe dois dedos em meus lábios e sorri gentil, do jeito que eu adoro.
– Fica calmo.
Balanço a cabeça, um pouco desnorteado, mas igualmente aliviado. Estava começando a meter os pés pelas mãos e me enrolar todo; engulo a saliva para lubrificar a garganta ressecada por tanto café e digo:
– Antes de qualquer coisa, eu quero deixar claro que aquela mulher não é nada minha. Na verdade, ela é a diretora médica do hospital em que o meu pai é dono. Em outras palavras, eles são muito amigos. Ela frequenta a nossa casa desde que eu era pequeno.
Manu me observa e meneia a cabeça para dizer que entende. Percebo um brilho de tranquilidade reluzir em seus olhos e fico feliz por ter esclarecido esse ponto.
Entrelaço os seus dedos com os meus, e acaricio sua pele com o polegar. Nos encaramos fixamente, sem qualquer intensão de quebrar esse gesto, e eu continuo:
– Bem, sem enrolar muito... – coço a nuca com certa força e respiro fundo – Eu tive que fazer aquilo por causa do meu pai.
– Seu pai?
Agora sou eu quem meneia a cabeça, consentindo.
– O meu pai é muito rígido. Como você sabe, ele é um famoso cirurgião e dono de um dos hospitais mais prestigiados do país.
– Sim, eu sei. Mas o que isso tem a ver com o que aconteceu?
– Meu pai quer que eu seja exatamente igual ele. Sou o herdeiro do hospital e, na visão dele, eu preciso estar à altura para sucedê-lo. Por isso, tudo o que não envolve o seu grande plano de me tornar um clone seu, é errado ou proibido.
– Isso quer dizer que...
– Ele não aprova que eu namore ou até mesmo saia muito com os meus amigos. Para o meu pai, a minha vida se resume a estudar e seguir os seus passos até me tornar um médico. E, posteriormente, tomar conta do hospital.
Minha namorada fica boquiaberta. Eu nunca havia lhe contato essa parte da minha vida, apenas os meus sonhos e o que eu gosto de fazer. O lado obscuro, bem, eu preferi ter mantido em segredo para não alarmá-la. Mas agora é impossível.
– Eu não quis lhe dizer, porque sabia que não concordaria e provavelmente brigaria comigo. – eu continuo – Mas, a verdade é que eu parei de frequentar todas as minhas aulas extracurriculares para me encontrar com você.
– O que?
– Tá bom. Não foi exatamente por sua causa. Sendo sincero, eu já estava de saco cheio de tudo aquilo e, por conta própria, tomei a decisão de parar de seguir com as aulas. Apesar de eu ainda não saber o que quero fazer no futuro, tenho plena certeza de que me tornar médico e herdar aquele hospital é o que eu menos quero.
Dou de ombros e prossigo:
– Por ser um cursinho, a administração está pouco se lixando para a frequência dos alunos, o que importa é o dinheiro. No entanto, se o meu pai descobrisse que estamos namorando, tudo viria à tona e ele faria da sua vida um inferno, e te culparia por eu não estar mais seguindo a minha incrível rotina. Ele iria atormentá-la até que terminasse comigo e, quando digo atormentar, não estou brincando.
– Atormentar como?
– Coagi-la, falar com os seus superiores do trabalho.... Mandá-la para o fundo do poço.
– Sebastian! – ela arregala os olhos, pasma – Você está brincando, não é?!
– Me perdoe, mas não estou. Infelizmente, as pessoas ricas são inescrupulosas e usam do dinheiro para se livrar daqueles que lhes parecem uma ameaça. Eu sei o pai horrível que tenho e por isso tive que tomar aquela atitude, e magoá-la.
Beijo os nós de seus delicados dedos e solto um suspiro.
– A diretora do hospital, a doutora Amanda, foi responsável pelo estágio da minha irmã mais velha e também será responsável pelo meu. Ou seja, ela é completamente a favor do meu pai. Se eu tivesse agido de outra maneira, com certeza aquele encontro chegaria aos ouvidos do meu pai. E eu não permitiria que ele mexesse com você.
– Então... Você só fez aquilo para me proteger?!
Sinto o sangue correr para as minhas bochechas. Foi justamente isso. Eu só queria protegê-la do meu próprio pai. Aquele canalha, que acredita ter o mundo na mão.
Manu suspira e me abraça com força. Eu sorrio e retribuo com todo o carinho.
– Me desculpe! Me desculpe!
– Ei, não precisa se desculpar. Eu lhe magoei e não foi justo.
– Eu fiquei com tanto medo de que, na realidade, você só estivesse mentindo para mim. Estivesse brincando comigo e acabei... Oh, meu Deus! Me perdoe!
Sacudo a cabeça e lhe beijo apaixonadamente. Depois de tanto tempo, sinto o sabor da sua língua na minha e o buraco em meu peito se fecha. Estou completo de novo.
– Eu jamais brincaria com os seus sentimentos. Eu amo você!
– Eu também amo você. Muito! Muito!
Minha amada mulher sorri e eu não poderia estar mais feliz. Nós dois estamos juntos e, nem que eu tenha que enfrentar o Céu e a Terra, jamais vou abrir mão dela novamente.
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Inabalável
RomansaSe apaixonar não estava nos planos de Clara, especialmente por um de seus alunos do Terceiro Ano. Mas aconteceu e é recíproco. John Berryann também se rendeu ao sentimento e os dois vivem um relacionamento escondido dos olhos de todos, sob as fachad...