Capítulo 18 - Por John

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Veja bem, não estava nos meus planos vir parar aqui. Mas depois de tantas garrafas de cerveja, algumas doses de tequila e uma ansiedade que não cabia em mim, fazer aquela ligação e aparecer na porta de quem eu menos imaginaria soou como uma boa ideia. Só que, depois de ficar sóbrio com o trajeto de quase quarenta minutos e comer as balas que eu encontrei no bolso da jaqueta, já não parece tão boa assim.
Observo a fachada do prédio da classe média por um instante e enfio as mãos nos bolsos, pensativo. Apesar de eu ter planejado essa conversa para acontecer o mais rápido possível, provavelmente ainda amanhã, dar as caras em plena madrugada, às duas da manhã e praticamente sem aviso, não foi a coisa mais sensata a se fazer.
Pois bem, se estou aqui de qualquer forma, vamos logo acabar com isso.
Aperto o número no interfone ao lado da entrada e não demoro a ser atendido. A porta se abre e eu vou direto para o elevador no final do corredor bem iluminado, apesar do horário. Pressiono o botão do quinto andar e me recosto no espelho.
Meus pensamentos trabalham à mil. Eu ainda não sei exatamente o que fazer, só tenho uma vaga noção do que pretendo. Contudo, preciso começar por algum lugar e espero que esse seja realmente o primeiro passo dentro desse tempo limitado. 
As portas da caixa de metal se abrem e de imediato encontro-o parado em sua porta, a alguns metros de distância. Ainda com as mãos nos bolsos, começo a caminhar, observando-o com os braços cruzados e me olhando com as sobrancelhas franzidas, como se tentar bancar o "machão" fosse surtir efeito comigo. 
Ah, faça-me o favor! 
Se não tivéssemos assuntos em comum, eu riria da sua cara. 
– Eu não acredito que você está aqui, ainda mais bêbado. – é a primeira coisa que diz, assim que me aproximo.
– Eu não estou bêbado.
– E esse cheiro?
Dou de ombros, parando bem a sua frente.
– Eu disse que não estou bêbado, não que não bebi. – eu respondo.
– Você tem consciência de que só tem dezenove anos, não é?! 
– Já sou maior de idade. Não estou indo contra a lei, professor.
Solto, sem poder conter o meu deboche. Jackson passa a mão no rosto e suspira.
– O que está fazendo aqui, John? Imagina o susto que eu tomei ao receber a sua ligação?! A propósito, como conseguiu o número do meu celular?
– Primeiro: eu consegui o seu número com um conhecido da classe onde é responsável. Segundo: admito que não foi a melhor das ideias aparecer aqui à essa hora, mas trata-se de algo importante. E antes que pergunte, eu não vim aqui como o seu aluno, eu vim aqui como o homem que sou.
Sua expressão muda com o que digo. Acho que a seriedade em minha voz demonstra que não estou para brincadeiras. E do jeito que me encara, creio que saiba exatamente do que iremos falar. 
– Venha. Entre. – ele diz.
Abre espaço ao dar um passo para o lado e eu entro. Como imaginei, seu apartamento é amplo, nem se compara com o lugar onde vivo. O tamanho da sua sala de estar equivale praticamente ao meu sobrado inteiro. 
Caminho até o sofá e não me contenho em dar mais uma analisada ao redor. De canto de olho, no entanto, observo Jackson circular e parar do outro lado da mesinha de centro.
– Eu te ofereceria uma bebida, mas só tenho chá e cerveja. Pelo o que presumo, chá não deve ser muito do seu gosto, e com certeza não vou contribuir para que fique bêbado de novo.
– Não se preocupe. Posso apenas tomar um copo com água?
Ele abre o pequeno frigobar próximo a um estante e me lança uma garrafa com água gelada, a qual pego no ar. Até que os meus reflexos não estão de todo o ruim.
– Obrigado.
Observo-o se aproximar enquanto bebo um longo gole direto do gargalo, e estamos um diante o outro novamente. Jackson me convida a sentar. Afundo no sofá de couro branco atrás de mim, tão macio que toma a forma da minha bunda em segundos. 
Móveis de qualidade são outra coisa.
Um silêncio profundo se instala entre nós. Mesmo que eu esteja aqui com um propósito, não é fácil para mim. De jeito nenhum.
Estar ao lado do cara que todo mundo considera o namorado da minha Clara, que já teve a audácia de beijá-la e uma audácia maior ainda de continuar desejando-a, de longe, é algo que estou realmente pronto para enfrentar.
Acho que os monges tibetanos se orgulhariam do esforço que estou fazendo para me manter calmo agora. A situação me obriga e um motivo maior também. Embora eu não goste e nem queira admitir.
– Antes de começarmos essa conversa. – eu digo, tomando a dianteira – Quero deixar claro que não estou nem um pouco feliz de estar aqui ou prestes a dizer o que direi, mas acho que você já sabe que tenho uma boa razão para engolir o meu orgulho e... 
– É a Clara, não é?!
Bebo mais água, engolindo a irritação que sobe pela garganta. Ouvir o nome dela sair da sua boca com tanta intimidade me parte ao meio de tanto ciúme. Não posso conter.
– Se isso tem a ver com o tal rumor...
– Pare! – lanço lhe um olhar enraivecido – Não vim falar sobre essa droga de rumor. Ainda que, lá no fundo, eu queira muito tirar satisfações por causa disso.
Torço a tampa da garrafa com força ao fechá-la e ponho no chão.
– A Clara me contou tudo, disse que você sabe sobre nós. Mesmo que tenha feito para ajudá-la e eu seja grato, sou um homem e saber que outro cara se passa por namorado da minha namorada, não me agrada nada. Principalmente porque eu não posso desmentir sem nos colocar em risco. Mas, tudo bem. Apesar de eu detestar a ideia, sou maduro o suficiente para aceitá-la. Faço qualquer coisa para proteger a mulher que eu amo, então posso lidar com essa palhaçada também.
Jackson me observa atentamente, quase como se não acreditasse em minhas palavras. Ok, até eu estou surpreso com esse meu posicionamento. Se fosse em outra época, certeza que a história seria outra. Mas assim como acabo de lhe dizer: eu amo a Clara e faço o que for para protegê-la.
De novo, caímos no silêncio. Tudo o que ouço é o som de um ou outro carro que passa na rua lá em baixo e do meu pé batendo nervosamente contra o piso. Dentro da minha cabeça, esse cenário pareceu bem mais simples. Admito. 
– O que você veio fazer aqui, então? – Jackson pergunta, enfim – Para se sujeitar a vir até o meu apartamento, às duas da madrugada, só posso supor...
– Eu preciso da sua ajuda. – solto tão rápido, que sai mais embolado do que tudo. 
– O que?
– Eu preciso da sua ajuda, Jackson. – suspiro, me acalmando. Estou aqui para isso, afinal de contas, não vou e nem posso voltar atrás – Preciso que me ajude a colocar aquele filho da... O tal do Adrian no lugar onde ele merece.
Como se eu tivesse acabado de dizer a maior besteira do mundo, ele me encara com uma expressão incompreensível, mesmo que os seus olhos digam que está com tanta vontade de dar uma bela lição naquele traste quanto eu. O que, para ser sincero, não sei me incomoda ou me anima a continuar.
Nenhum de nós fala por longos minutos. Ficamos cada qual com nossos pensamentos. Isso até Jackson dizer: 
– Por que eu? 
– Porque você, assim como eu, também quer muito dar uma lição naquele cara. – nós nos encaramos e eu continuo – Se você fez tudo o que a Clara disse, não tenho dúvida que sente a mesma indignação do que eu. Mas, levando em consideração as nossas posições, eu aluno e você professor, ambos sabemos que agir sozinhos não vai dar em boa coisa. Mas se nós nos juntarmos... 
Jackson permanece calado. Me olha, olha e olha. Está visivelmente maquinando a ideia. E eu, apesar de ansioso, dou-lhe um tempo. 
– Supondo que eu aceite essa proposta maluca, o que você tem em mente?
– Fiquei sabendo que o contrato será assinado ainda essa semana, certo?! – resgato a informação que ouvi correr entre os outros alunos.
– Sim. Será na quinta-feira.
– Não podemos deixar que ele assine. Em hipótese alguma.
– Como assim, John? O que uma coisa tem a ver com a outra?
– No início, ele pode ter vindo apenas para fazer negócios, mas eu conheço esse tipo de palerma. O Adrian vai se aproveitar do seu vínculo com o colégio por ser um investidor e vai tentar de todas as maneiras continuar infernizando a Clara.
– Mas que eu saiba, ele vai embora nesse próximo final de semana. Então...
– Ele até pode ir embora, só que se tornará um constante fantasma para a Clara. Ela viverá com medo, sempre na expectativa de que uma hora ou outra ele possa voltar. E eu não quero isso. E outra, se ele conseguir assinar, automaticamente se tornará inalcançável para nós e tudo irá por água abaixo.
– Tudo bem, até aí eu concordo com você. Mas o que vamos fazer para que isso não aconteça? 
Eu sorrio, um tanto satisfeito. Já começamos bem com esse "o que vamos fazer". No fundo, eu sabia que concordaria. Agora eu tenho que simplesmente acreditar que está fazendo isso apenas por odiar o Adrian, e não por querer defender a minha Clara. 
– Eu prometi a ela que não iria me meter em problemas. Ou seja, temos que agir com cautela. Vim pedir a sua ajuda, porque você é o único que está "próximo" daquele cara, além dos outros professores e a diretora, e também tem razões para ferrá-lo. 
– Entendi. 
– Eu ainda não tenho um plano completamente formado. Mas precisamos fazer com que ele mesmo perca a chance de assinar aquele contrato.
– Ele mesmo? – reflete por um instante – Por exemplo, dando um fora com a diretora?
– Mais do que isso. Precisamos descobrir algum podre sobre ele. Não podemos usar o assédio que cometeu com a Clara sem expor o passado dela. E, infelizmente, mesmo que tivéssemos isso ao nosso favor, sabemos muito bem como esses velhos não tem o menor interesse quando o assunto são negócios. Tendo dinheiro, foda-se o resto.
Jackson concorda e fica pensativo outra vez. De repente, me lança um olhar convicto.
– Se queremos humilhar o Adrian e, de quebra, anular todas as chances de ele assinar o contrato de investidor e não ter mais credibilidade para fazer negociações aqui no país, nós temos que descobrir um podre que seja sobre negócios.
– Atividades ilegais, por exemplo?
– Exatamente. – balanço a cabeça, concordando, e ele continua – Nós sabemos que corrupção existe em qualquer lugar, mas ninguém gosta de admitir e muito menos se "relacionar" com quem é corrupto. Logo, se conseguirmos alguma prova de que o Adrian ou mesmo a instituição que ele veio representar já esteve envolvida em algum escândalo, teremos como quebrar a assinatura do contrato.
– Cara, isso é uma puta ideia!
– Você já perdeu todo o respeito, não é?! – caçoa e apenas dou de ombros – No entanto, eu não sei como faremos para obter essas informações.
– O Jimmy é bom com computadores. Sabe o que fazer para conseguir qualquer tipo de informação. O Matt também, mas ele está mais para "fofoqueiro profissional". Descobre tantas coisas, que ainda me pergunto como ele não foi recrutado pelo FBI.
Jackson solta uma gargalhada e concorda. Todo mundo conhece essa fama dele.
– Bom, podemos contar com a ajuda deles então?! – pergunta.
– Ainda tenho que falar com eles, porém, acredito que sim.
– Ótimo! Já temos um passo andando.
Continuamos conversando, aprimorando o nosso plano, e eu mal percebo as horas passarem. Diferente de como começamos, bebemos uma garrafa de cerveja cada um e aquela tensão - embora eu ainda possa senti-la em alguns momentos - já não é tão densa na atmosfera quanto antes. Num geral, entramos em uma trégua. Bom, ou quase isso. Ao menos, até Jackson abrir a boca depois de bastante tempo calado.
– John.
– Huh?
– Eu sei que passou por cima do seu orgulho para vir pedir a minha ajuda e realmente valorizo o que está fazendo apenas para ajudar e proteger a Clara, mas...
– Eu sei que só concordou porque ainda gosta dela.
Ele dá um gole largo em sua cerveja, como se quisesse esconder os verdadeiros pensamentos, e inevitavelmente meu coração se agita de uma maneira nada boa.
– Não é?!
– Eu amo a Clara. – sentencia e sinto a cerveja voltando por onde veio.
Encaro-o com os olhos praticamente esbugalhados, com o mesmo misto de raiva, ciúme e insegurança que experimentei há dias atrás. Não é uma novidade para mim, óbvio que não, mas ouvi-lo confessar tão abertamente é como um soco no estômago.
– Porém, eu não sou tolo e muito menos um canalha. – quebra o silêncio e dou outro gole na cerveja, impedindo a mim mesmo de lhe socar a cara – A Clara te ama, e é indiscutível que nunca abrirá mão do que sente por você e não tem qualquer intenção de deixá-lo, independentemente do que for. 
Nós nos defrontamos por um demorado momento. 
– Ainda que eu não queira enxergar e muitas vezes fique irritado por saber que fui trocado por um adolescente... Bem, nem isso. – bufa e dá um sorriso sem graça – Eu tenho plena consciência do amor de vocês e é por isso que estou ajudando. Sei que não é fácil lidar com essa coisa de a Clara e eu sermos namorados, embora você diga que sim, e sei que suportar o assédio que ela anda sofrendo por causa daquele babaca deve ser pior. Então, no que eu puder, irei colaborar. Ah, e manter o segredo.
Sua franqueza de alguma maneira me atinge. Mesmo que, no fundo, seu amor pela Clara continue me incomodando, saber que ele reconhece o próprio fracasso e ainda assim está disposto a me ajudar é admirável. Não posso ser indiferente a isso.
– Obrigado! – respondo, por fim. 
Estendo a mão e ele a segura, em um cumprimento. Sorri e então diz:
– Nós vamos colocar aquele imbecil no lugar onde ele merece.
Meia hora depois da nossa inusitada parceria, eu adormeço no seu confortável sofá de couro branco.

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