Onze

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Pietro estava atento no balcão da livraria, dividindo a atenção entre as duas obras que Délia havia lhe emprestado. Ele se deu por vencido e concluiu que nada mais havia de significativo para contar sobre Luccino e Otávio no livro de Elisabeta Benedito. A propósito, esta que seria irmã de Lídia. Ainda existia a possiblidade de Elisabeta ter ficcionado alguns detalhes, já que era possível reconhecer os personagens pelas características, não pelos nomes, que não eram os verdadeiros. Ele, portanto, se deteve em terminar de ler O Pacifista, um livro tão curto para caber tanta angústia. Pietro chegava à última parte quando Júlio entrou na livraria, cumprimentando Délia e ele.

"Pelo visto vim numa boa hora. Você está com o livro."

"Nada a declarar, exceto que Will e Tristan não mereciam esse sofrimento."

Júlio riu.

"Por acaso já terminou?"

"Não" Pietro retrucou, desconfiado.

Júlio só fez dar uma risada debochada.

"Me avise quando acabar. Este é o livro de Elisabeta?"

"Sim. Aqui, se quiser dar uma olhada."

Júlio o pegou e foi desfolhando aos poucos.

"Umas páginas rasgadas e outras apagadas."

"O tempo."

"Sempre ele"

Délia decidiu fazer um intervalo e ir até sua casa ver Vinícius.

Júlio parecia saber que estava entrando num terreno arriscado.

"Você... Tudo bem?"

"Se eu tudo bem? Eu tudo bem, sim".

Os dois riram.

"É que... Você sabe, depois de ontem, fiquei preocupado."

"Sabe melancolia de bêbado? Então. Era isso."

"Não sei. Não bebo."

"Droga. Você é aquele que julga, né?"

"Bebo água e observo"

"Do tipo perigoso."

"Ah, isso é, isso é." Júlio sorriu de canto.

Continuou passando os olhos pelo livro.

"Você acha que eles foram felizes, Júlio?"

Ele voltou os olhos na direção de Pietro com calma.

"Acho que sim. Acredito no amor e no que as pessoas são capazes de fazer por ele. Apesar de todo medo e preconceito... Finais felizes também são possíveis para gays, não é?"

Ah, eu quero acreditar que tivemos o nosso.

x-x-x

No começo da tarde, Pietro se dispôs a substituir o irmão enquanto seu machucado sarava. Ao chegar à oficina lá pelas três da tarde, Caetano virou suas costas para ele, fingindo atenção num carro.

"Carro bom, hein? Modelo novo..." Pietro observou.

Caetano não alterou a postura.

"Sim. Esse aqui numa estrada de terra voa..."

Pietro assentiu, percebendo onde teria de caminhar de agora em diante.

"E... você vai trocar as rodas?"

"Sim. Vou. As rodas é que não funcionam mais como antigamente. Hoje preferem uma roda bonita a uma roda que funciona. Bobagem!"

"Ah..." Pietro ficou contente. Dialogar com Caetano, um avanço.

Mais que o tempoOnde histórias criam vida. Descubra agora