Nove

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Quando a febre baixou, Pietro começou a dar sinais de estar acordando. Estranhou os lençóis. Estranhou a luz que vinha de um lugar diferente. Deu por si, e estava em outro quarto.

"Pietro. Que bom que acordou! Como se sente?"

"Délia... Um pouco tonto e com dor de cabeça. O que aconteceu?"

"Você ficou preso no galpão e pegou toda aquela chuva. Júlio te trouxe ardendo em febre, delirando. Você está na minha casa."

Pietro franziu o cenho.

"Júlio?"

"Sim, vocês se encontraram ontem."

A memória aos poucos foi retornando. O galpão. O homem que o salvara. A chuva. Seus delírios. Então, aquele não era o abraço da morte? Tudo havia sido real? Pietro sentou-se na cama, a cabeça pesada.

"Délia, quem é esse Júlio?"

"É um amigo meu, de anos. Veio passar um tempo aqui. Você deve conhecê-lo da orelha do livro que eu te dei. Ele é o autor de O Pacifista."

"Oh, eu ainda não li. Délia, eu o conheço de outro lugar..."

"Que outro lugar?"

"Délia, ele é o Luccino. O meu Luccino."

Ela respirou fundo.

"Ele é o Luccino da lembrança?"

"É ele. E eu o beijei..."

Délia tapou a boca com as mãos, ou para enfatizar o susto, ou para esconder o sorriso.

"Você o beijou! E como foi?"

"Foi... Lindo. Foi um beijo de amor. Eu estava beijando Luccino."

Délia permaneceu chocada. Em seguida, Ricardo e Júlio entraram no quarto. Era ele, sem nenhuma dúvida. O mesmo olhar de bondade, a falha na sobrancelha, os cabelos volumosos, o queixo bem talhado, o sorriso sincero e vasto. Ricardo, pelo contrário, com uma carranca de quem não queria ter acordado.

"Como está nosso paciente?" Perguntou Júlio.

Meu Deus. Até a voz é idêntica.

"Estou bem, obrigado." Uma resposta excessivamente formal para quem estava entrando em erupção por dentro. "Você... Hum, não me é estranho."

"Deve ser da orelha do livro" Ricardo respondeu, impaciente o bastante para permanecer no quarto. Retirou-se.

"Perdoe o meu marido. Não tem modos. Foi criado com lobos até que fui fazer uma expedição na floresta e ele se apaixonou por mim."

Pietro riu. Délia percebeu que era a hora de bater em retirada e inventou algo para fazer lá fora. Pelos minutos seguintes, Júlio e Pietro tiveram seu primeiro momento sozinhos. Júlio começou a encará-lo em silêncio, buscando memorizar seus traços sem a pressa da tempestade em seu encalço. Pietro fazia o mesmo, mas existia o sobressalto de ver o seu Luccino ali, parado tão perto e tão longe dele. Seu coração sacudia-se de emoções.

"Fiquei feliz quando cheguei aqui e vi um exemplar do meu livro na cabeceira."

"Sim. A Délia me deu um exemplar. Vocês são amigos."

"Há muito tempo. Vim aqui pesquisar uma história para um livro."

"É?"

"Sim. Luccino e Otávio, já ouviu falar?"

Pietro sentiu seus pelos do braço arrepiarem. Se já ouvi!

"Sim. Também me interessei pela história."

Mais que o tempoOnde histórias criam vida. Descubra agora