"Você acredita em viagens no tempo?"
Júlio foi pego de surpresa com a pergunta e precisou refletir um pouco. Os dois nem procuravam disfarçar: das vezes que brigava com Ricardo, Júlio fazia questão de ir para a livraria estar no meio dos livros. E a presença de Pietro também lhe acalmava. Eles podiam conversar sobre tudo sem cansar. Agora, nenhum deles fazia questão de oferecer uma justificativa à visita. Apenas gostavam da companhia um do outro e queriam desfrutá-la.
"Hum... Julio Verne fez a sua carreira com livros desse tipo. E ele é genial."
"Ok, já sei que você tem boas referências... Sua resposta é... ?"
Júlio riu, dando um soco amistoso nos ombros de Pietro.
"Você anda muito saidinho esses tempos."
"Faz parte. Intimidade é uma merda, não acha?"
O escritor concordou. Melancolia passava por seu rosto.
"Isso inclui a intimidade dos casamentos?"
"Oh, sim. Já assistiu aquela trilogia Before? Eu sou toda a Celine. Lembra quando ela diz que podemos conhecer ou desconhecer muito alguém, com o tempo? Ela... Vê a intimidade como uma possibilidade empolgante."
"Agora você é quem está ostentando referências. Bom, mas existe o outro lado, não?"
"Qual outro lado?"
"Quanto mais você conhece alguém, mais tem munição contra ela. A resposta está no último filme da sua trilogia cult. Celine fala sobre a intimidade no primeiro filme. Mas no último, acontece a DR mais longa e genial do cinema. Aquela sequência dos dois brigando no hotel é linda e perigosa. Porque eles já têm anos de casamento. Sabem exatamente como machucar um ao outro. É um terreno minado."
"Bom, eu ainda sou a Celine do primeiro filme. Romântica, sonhadora. E olha que fiquei com a Bruna por anos. Mas ainda espero conhecer o amor da minha vida num trem em Viena."
"No meu caso, ainda espero acabar com meu casamento numa briga de mais de trinta minutos num hotel."
Júlio se calou.
"Você não está falando sério, está?"
Ele respirou profundamente.
"Casamentos não são um mar de rosas. Pra você, como foi?"
"Frio. Mas ela é minha amiga. Sempre fomos. E às vezes nos magoamos. E... o seu?"
Júlio demorou a dar a resposta.
"Não somos amigos. Não somos amantes. Mas ele estava lá quando fiquei sozinho com Bel. Que acha?"
"Acho que isso se chama gratidão, não amor."
"E o que seria amor, Pietro?" Júlio chegou perigosamente perto.
"O amor é tudo que nós dissemos que não era." Retrucou Pietro.
O escritor riu.
"Bukowski. Acertei?"
Pietro fez que sim, satisfeito.
"Um gênio idiota."
"Parece com você"
"Ah, é?" Ambos gargalharam "Não vou colocar seu nome nos agradecimentos do livro!"
"Eu sou homem para dedicatórias, Ju. Não para agradecimentos."
Ele concordou, a mente estalando como a de um bobo adolescente: Ele me chamou de Ju!

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Mais que o tempo
RomancePietro, um amargurado mecânico, retorna ao Vale do Café contra a sua vontade, após a vida em São Paulo ter tomado rumos que ele não havia planejado. Hospedando-se na casa do pai, com quem tem uma difícil relação, Pietro descobre uma porta que divide...