Dezesseis

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Pietro teve um sonho perto de acordar, naquela manhã.

Luccino? Luccino... Era voz de Mariana. Parecia distante, como se estivesse falando de um telefone. Luccino, Virgílio está aqui comigo! Mas, no sonho, Luccino não dizia nada, só escutava. Um sonho tão vago que Pietro acordou sem se preocupar com ele. Virgílio ao lado de Mariana! Impossível! Estava de folga da livraria. Délia havia chamado um pintor para retocar as paredes e o liberou do serviço.

Assim, o rapaz aproveitou para dedicar um tempo a si mesmo e, em seguida, ir até a oficina do pai para perguntar se não precisava de alguma ajuda. Apesar das brigas recentes, sentia o avanço na relação. Antes, mal trocavam duas palavras.

Ricardo, porém, já se encontrava lá. Era destes homens traiçoeiros que não sujavam as mãos, mas que sua mera presença causava desconforto e insatisfação.

"Como vai, Caetano?"

"Seu Ricardo! Vou bem, obrigado!" Caetano ofereceu a mão cheia de graxa para Ricardo apertá-la, mas ele a rejeitou enfaticamente.

"Vim me desculpar pelo pequeno incidente no jantar."

"Não tem problema, seu Ricardo. O meu filho que fez uma desfeita das grandes. Eu que peço desculpas."

Ricardo assentiu, andando pela oficina e observando alguns detalhes.

"Você tem essa oficina há muito tempo?"

"Era do meu pai, passou pra mim e... Será de Giovani no futuro."

Os olhos de Ricardo brilharam.

"Giovani? Por que não do Pietro?"

"Pietro não é bom pro serviço."

"Que ele é um incapaz eu já sabia."

"Espera aí, mas também não é assim!" O pescoço de Caetano avermelhou.

"Não sou eu quem está dizendo. É o senhor..."

"Eu não disse nada, rapaz! Me respeite!"

"Sinceramente, seu Caetano. Você acha que alguém poderá um dia respeitar uma família de... Mecânicos?"

"Atrevido! Te proíbo de falar da minha família! Fora daqui!"

"Já se vê de onde seu filho herdou a arrogância. Ia pedir desculpa pelos pratos quebrados, mas vejo que é perda de tempo."

"Vá embora! Saia da minha oficina!"

"Uma bela oficina, não? Cuidado, seu Caetano. Uma hora irão lhe denunciar por fraude, já que os seus serviços não são nada bons. Ah! Agora lembrei. Além de pedir desculpas, queria dizer que meu carro não ficou bem lavado. Talvez tenha de fechar sua oficina logo, logo, porque isso aqui é um atentado à dignidade pública."

"Fechar minha oficina?" O pai de Pietro sentiu-se acuado.

"Eu sou advogado. Mas não vou fazer nada. Não se preocupe".

Ele riu em deboche. Caetano começou a respirar com dificuldade e caiu para o lado. Seu rosto todo estava vermelho. Os olhos, quase desvairados. Os músculos do rosto formigavam.

"O senhor é um mau caráter! Pietro estava certo!"

"Pietro é seu filho? Oh! Quem poderia adivinhar?"

Caetano despencou para o lado. Pietro chegara com Giovani no exato momento em que o pai tinha um princípio de acidente vascular cerebral. Giovani e Pietro sequer perceberam a cena anterior; Ricardo continuava observando o corpo, expressões agourentas, mas com genuína preocupação, e os filhos do mecânico tentaram socorrer o pai. Giovani pegou o telefone e ligou para a emergência. Foi então que Pietro percebeu a figura estranha de Ricardo na cena. Ele parecia chocado, mas não o enganava.

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