"Você acredita em viagem no tempo?" Desta vez, era Júlio quem perguntava a Pietro na livraria.
"Acredito."
"E se a pessoa estivesse um pouco bêbada e cansada?"
"O que você quer dizer?"
Então, Júlio lhe contou da noite anterior, na qual tivera um sonho daqueles. Século XIX. Palavras misturadas. Dois homens se beijando. Luccino. Virgílio. Xavier. A moto destruída. "Uma viagem", como ele mesmo disse. Onde Ricardo era Xavier e Virgílio era Giovani. Uma ilusão provocada pelo seu cansaço mental e físico. Mas Pietro sabia que não era mera alucinação, ao mesmo tempo em que seria tachado de louco por Júlio. O rapaz corou ao entender que o primeiro beijo entre eles havia sido naquela dimensão, na pele de Luccino e Otávio. Decidiu não contar a verdade, até porque Júlio demonstrava certo ceticismo. Pietro compreendia que era algo pesado demais para alguém lidar com normalidade, raras as vezes onde acontecia o contrário.
"Ricardo, o mesmo grosseirão. Ele até estava beijando Virgílio antes de ir ao galpão."
"Beijando Virgílio?" Por que significava ter beijado o Giovani do século XIX.
"Sim, e eu tenho certeza. Eu vi que os dois brigavam por algo... E aí, Virgílio beijou Xavier de uma maneira rude. Depois não vi nada. Luccino queria mesmo era destruir a moto e soltar os cavalos."
"Virgílio e Xavier tinham um caso. Isso explica muita coisa."
"O que você sabe? Talvez eu use na hora de escrever a história. Esses subconflitos que dão o plano de fundo dos personagens."
"Só sei que Luccino deve ter tomado essa atitude por que Xavier tinha uma rixa com Ernesto, o seu irmão. Xavier deve ter armado contra ele pra fazer o Luccino ser tão inconsequente."
"E Virgílio?"
"Virgílio era irmão de Luccino, a ovelha problemática da família. Capacho de Xavier."
Júlio aquiesceu.
"Nossa. Que história... Todos tão... Guiados por seus impulsos, mas ao mesmo tempo, aprisionados por eles. A opinião geral influenciava nessa época. Ninguém queria saber o que era ser odiado por uma cidade inteira."
Pietro sentiu o estômago revirar. Precisava mudar de assunto.
"Ah, Júlio. Antes que eu me esqueça: Papai convidou o Ricardo para jantar em casa amanhã."
"Uau. Ricardo fez um amigo."
Pietro riu.
"Quero que você vá."
"Sim, senhor Major Otávio. Aliás, ele era você. E nós nos beijamos."
Ele corou. Sim, e eu ainda sinto os seus lábios nos meus.
"Não fique sem graça. O beijo foi bom. Quero dizer, o beijo de Otávio. O seu... Bem, ainda não conheço."
Pietro soltou o ar, rindo e revirando os olhos. Ele não podia responder que também havia gostado do beijo de Luccino, embora fosse a verdade.
x-x-x
Como o combinado, Júlio e Ricardo apareceram para o jantar no dia seguinte às sete da noite. Délia e Vitor não foram convidados, pois Caetano não gostava dos vizinhos o suficiente para tais convites. Além do mais, o casal saíra com Vinícius para uma pequena aventura e passaram o dia fora.
"Ai está!" Falou Pietro ao vê-los entrando.
"Eu não sabia que ia ser uma festa, Pietro" Reclamou Caetano ao ver Júlio. Ele não fora convidado junto ao marido. Giovani, ao lado do pai, tentou amenizar a grosseria:
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Mais que o tempo
RomansaPietro, um amargurado mecânico, retorna ao Vale do Café contra a sua vontade, após a vida em São Paulo ter tomado rumos que ele não havia planejado. Hospedando-se na casa do pai, com quem tem uma difícil relação, Pietro descobre uma porta que divide...