Virada do Ano

281 19 100
                                    

            - 5... 4... 3... 2... 1... Feliz 2019! – Gritaram todos que estavam na sala de estar reunidos, assistindo os fogos pela televisão.

Luccino resolveu sair um pouco do tumulto. Eles estavam em uma casa de campo, a vista do céu era linda, gerada a partir de milhões de pontinhos brilhantes. Vista essa, que o italiano achava muito mais interessante do que os fogos.

Ao sair a passos lentos, avistou um rapaz sentado na grama recém-cortada. Ele estava quase deitado, se apoiando apenas com as palmas no chão. Não conseguiu lembrar quem era o rapaz, então resolveu se aproximar e puxar conversa.

- Também prefere a vista natural? – O mecânico disse em um tom amigável. O homem se virou, um tanto assustado, mas logo lhe deu um sorriso contido.

- Acho que a calmaria ajuda. – Ele disse conforme jogava o tronco para frente e cruzava suas pernas. – É tão quieto que dá para escutar a própria respiração.

Luccino se sentou ao lado dele, lhe alcançando a mão para um aperto. Nesse instante, o italiano pôde observar o rosto do tal admirador da calmaria: era magro, face levemente oval, cabelos penteados para o lado, um sorriso de canto de boca bastante tímido e um bigode. Mas não era qualquer bigode, era o bigode mais perfeito que Luccino já vira, parecia ter sido desenhado para aquele emaranhado de traços que formavam o rosto do rapaz.

O aperto de mão que o italiano recebeu lhe fez sair de deus devaneios. Por mais contido que fosse, o aperto era forte e a lembrança do toque permanecia na pele por algum tempo.

- Você é o amigo de Randolfo, não é? – O mecânico indagou, finalmente reconhecendo o homem.

- Isso. – Ele assentiu levemente, com um sorriso ainda menos perceptível. – Sou colega de trabalho de Randolfo e Brandão.

- Um militar? – O tom em que a fala saiu foi no mínimo sugestivo.

O homem deu de ombros, como se fingisse que um grande segredo seu fora revelado.

- Capitão Otávio Mastronelli. – Ao se apresentar, fingiu o sinal de continência.

- Luccino Pricelli. Mecânico. – Ambos riram quando o italiano informou sua profissão.

- Luccino... – Otávio falou como se saboreasse as letras em sua boca. – Que nome diferente. É bonito.

- Meus pais são italianos. – Luccino deu de ombros, com aquela curiosidade tão banal. Mas o militar permaneceu calado, como se contemplasse a informação.

- E você fala italiano? – Uma leve pitada de curiosidade se deixando mostrar em suas palavras.

- Parlo molto bene. – Luccino riu, mas Otávio deixou escapar um leve sorriso. Algo no sotaque que o mecânico puxava para falar a língua dos pais lhe chamou a atenção.

- Posso perguntar se o signore veio aqui simplesmente pela vista estonteante?

- Também. – Luccino riu, novamente. – Na verdade, eu estava ansioso demais para ficar lá dentro.

- Festas não são muito agradáveis? – O tom de voz se tornou mais gentil, como se quisesse transmitir um pouco de compreensão.

- Não, não. – O italiano balançou a cabeça em negativa. – Eu só estou ansioso com 2019.

O militar soltou o ar pela boca, lentamente.

- Nem me diga... nem me diga.

2019 - Uma história LutávioWhere stories live. Discover now