Lembranças

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Luccino abriu a porta da oficina com uma pressa que nem mesmo ele sabia explicar o motivo da existência. Seu padrinho não iria trabalhar. Ele não trabalhava nas segundas-feiras. Para os clientes, dizia que era seu dia de folga, mas o afilhado sabia que a razão era outra: ainda estava se recuperando de uma forte ressaca de final de semana.

Parte da consciência do garoto se sentiu mal por entrar escondido no local de trabalho do Seu Joaquim, e a outra parte se sentiu mal por matar aula. Mas que culpa ele tinha se todos os períodos do dia estavam preenchidos com matérias tediosas? A companhia de Mário seria muito mais interessante, ele até entendia melhor a matéria quando o namorado explicava.

- Só não invente de mexer na motocicleta, porque aí, vai ser o cliente que vai me matar, e não, o meu padrinho. – O italiano alertou conforme jogava a mochila no chão sentava-se em uma parte vazia da mesa de ferramentas.

- Pode deixar. Preciso do meu noivo bem vivo pra me ver pegando aquele canudo e indo o mais longe possível desse lugar comigo. – O mais baixo se aproximou, posicionando-se entre as pernas de Luccino, passando as mãos por sua cintura e roubando-lhe um beijo.

- Somos noivos agora? – Luccino provocou, quando cessou o beijo.

- É claro que somos! – Mário respondeu em um tom brincalhão, fingindo ofensa pela dúvida.

- E o que você vai fazer enquanto espera seu noivo se formar? – Sua voz ainda tinha um tom de brincadeira, mas a pergunta era séria. Luccino passara os últimos dias com essa dúvida, temendo que Mário se cansasse de esperá-lo e fosse embora do Vale do Café sozinho.

- Vou estudar alguma coisa que garanta que nunca mais vamos precisar do dinheiro do meu pai. Eu vou ter de fazer faculdade em outro lugar, mas volto sempre pra te ver. – Ele beijou o namorado mais uma vez, como se quisesse confortá-lo. – E quando você se formar, vai morar comigo. Até lá, já vou ter um emprego. E quem sabe você não consegue um em uma oficina mecânica?

- Acha que sou bom o suficiente pra isso? – Ele perguntou, genuinamente descrente de suas habilidades.

- É claro que é! – Mário balançou a cabeça, não acreditando no que acabara de ouvir. – Você reparou a minha motocicleta inteira. Luccino, se não fosse por você, eu nem teria mais moto pra pilotar.

- Isso seria uma pena. Eu adoro ver meu namorado... – Ele parou a fala ao receber um olhar de reprovação do mais baixo. – Meu noivo ganhar as corridas.

- Tudo que eu quero é ter dezoito de uma vez e poder tirar a carteira de habilitação. Nunca mais vou precisar ficar me escondendo nas corridas.

- Se os pilotos descobrem que você é menor de idade, te expulsam de lá pra nunca mais voltar. Mas isso não vai acontecer. – Ele abaixou a cabeça e depositou um leve beijo na ponta do nariz de Mário. – Você é sempre cuidadoso, não tem como descobrirem.

- Agradeço pelos elogios. Mas, agora, quero saber o que fez o certinho Luccino Pricelli matar aula e me arrastar pra oficina do Seu Joaquim.

- O baile de debutante da Mariana vai ser daqui a duas semanas e ela me pediu pra ser o par na hora da valsa.

- E eu devo ficar preocupado? Será que o encanto das Benedito é real?

- Claro que não. Ela só pediu porque sou o melhor amigo. Quem mais poderia ser?

- Então, vou confiar na Laranjinha. – Ambos riram quando Mário citou o apelido de infância que Luccino deu à amiga.

2019 - Uma história LutávioWhere stories live. Discover now