Sem se esconder

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Otávio e Randolfo agradeceram quando aquela semana chegou ao seu fim e os dois puderam se reencontrar, estavam exaustos física e mentalmente, além da força que precisaram encontrar para encarar o isolamento pelo qual foram obrigados a passar. Agora, tudo que queriam era o aconchego do Vale do Café, o ar puro e a sensação de frescor que o ambiente exalava. E, também, sentirem o conforto que a companhia de seus respectivos pares lhes causava. Randolfo conseguiu dormir assim que o ônibus começou a andar, estava realmente cansado. No entanto, o amigo não foi capaz de manter os olhos fechados por mais que alguns segundos. Essa semana fora uma das mais significativas de sua vida. Os dois só saberiam o resultado das provas quando estivessem em casa, o próprio coronel seria o porta-voz de tal informação, mas Otávio estava certo de que ele e o amigo conseguiriam alcançar os cargos que almejavam.

Contudo, o que perturbava seus pensamentos era outra questão: a conversa que ouvira naquele refeitório. Ele não se importava com as ofensas que foram despejadas sem pudor, sua mente se focou no coronel Mendonça, o homem que coordenou a aplicação das provas. Assim como ele, amava outro homem. Entretanto, não demonstrava se amedrontar diante da reação que esse fato causava nas pessoas, muito pelo contrário, a sua postura era tão rígida quanto a do Brandão e parecia ser ainda mais convicto de suas capacidades. A mera presença daquele homem exalava confiança. E Otávio se pegou sentindo inveja de toda aquela coragem. Ele queria não se preocupar com o que seus colegas de quartel pensariam; não ter medo das pessoas lhe darem as costas, de perder tudo.

"Pelo amor de Deus, Otávio! Você nunca teve nada. Não há o que perder." O pensamento cortou seus devaneios como a mais afiada das lâminas. Brandão e Randolfo eram o mais próximo que conheceu de uma família e eles jamais lhe abandonariam. Os soldados no quartel eram seus subordinados, lhe deviam obediência independente do que pensassem de sua pessoa e não havia uma viva alma no Vale capaz de lhe tirar o que tinha, pois tudo que conquistara, mesmo sendo pouco, conquistou por si só.

"Deixe de ser tão medroso!" pediu-se.

E, no momento em que chegou à rodoviária, a chama que eram estes pensamentos foi incendiada pelo mais inflamável dos combustíveis.

Brandão, Lídia e Luccino esperavam os dois militares com uma alegria ainda maior do que quando partiram. Como sempre, o coronel estava discreto, mas o sorriso orgulhoso em seus lábios não hesitava em se mostrar. A Benedito segurava uma pequena placa, feita à mão, com os dizeres: Noiva do mais novo e mais charmoso capitão do exército brasileiro.

Seu italiano também tinha uma placa, a palavra Maggiore ao lado de um coraçãozinho. Aquilo fez o interior de Otávio arder. Ele sabia que o mecânico resolveu prezar por sua imagem e escrever algo discreto, algo que não indicasse o que muitos considerariam sua maior fraqueza.

- Com licença, Randolfo. – O major soltou com uma pressa que nunca imaginou que poderia possuir.

Antes mesmo que o ônibus estacionasse por completo, se levantou e saiu correndo entre tropeços até a porta, não se importando com o que pensariam os outros passageiros. E, quando o motorista abriu aquela que pareceu ser a passagem mais decisiva de sua vida, ele não mediu esforços, e correu ainda rápido até o trio que o aguardava. Seu corpo se chocou com o de Luccino quando conseguir parar e, nesse toque, teve total certeza do que estava prestes a fazer. Completamente imerso nos orbes negros que o encaravam com espanto e curiosidade, levou uma das mãos à nuca de Luccino e a outra à cintura e, puxando o italiano para si, selou o beijou mais intenso e desejado de sua vida.

Imediatamente, Lídia começou a bater palmas. O coronel preferiu não esboçar qualquer reação, com medo do que poderia repercutir, mas, por dentro, havia se juntado à cunhada. E, ignorando os cochichos maldosos, feitos por pessoas que lançavam olhares nada amigáveis para o casal, Randolfo assoviou de longe, deixando claro que também estava comemorando aquele momento.

2019 - Uma história LutávioWhere stories live. Discover now