2 de Janeiro

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            As irmãs Benedito e seus pares estavam na sala de estar da casa mas, dessa vez, não havia o barulho da televisão nem de risadas ou conversas descontraídas. Era a indignação de Elisabeta que tomava o lugar, a moça descera de seu quarto com uma expressão revoltada, após receber uma notícia de Venâncio, seu colega e fundador do jornal em que trabalhava.

- Elisabeta, tenha calma. – Cecília tentou intervir, mesmo sabendo que de nada adiantava contrariar a irmã. – É uma medida provisória, pode ser derrubada.

- Mas só vai ser derrubada se fizermos barulho! Ficar aqui parada não vai ajudar em nada. – A moça estava irredutível.

- Elisa... – Jane resolveu falar, após segurar a mão do noivo e perceber o quão fria estava. Camilo não havia dito uma palavra sobre o assunto, mas ela era capaz de entender aquele sinal. – Escreva uma matéria, coloque todos os fatos, todos os dados, estatísticas... Envie para Venâncio e peça que ele publique o mais rápido possível.

- Jane está certa. – Apesar de estar bastante incomodado com a notícia, o coronel tentava não aparentar. – Você não ir para frente do Palácio da Alvorada e começar a gritar.

- Ele já provou que escuta se a mobilização nas redes sociais for grande. – Rômulo ponderou. – Faça um post, uma pequena versão da matéria, até que seja publicada, todos nós podemos compartilhar. – Ele lançou um olhar triste sobre Brandão e Randolfo. – Bom, a maioria...

- De certa forma, Elisa está certa. – Mariana parecia ser a mais abatida da sala, havia permanecido longos minutos em um silêncio pensativo. – Ele está fazendo para invisibilizar a comunidade. Se não existem menções, não precisam discutir as pautas.

- Isso só tornaria mais difícil a vida do Otávio dentro do quartel... – Randolfo estava com a cabeça deitada no ombro da noiva, na tentativa de buscar algum consolo.

- Meu Deus! Imagina se acontece alguma coisa com os meninos. – A Benedito mais nova levou a mão à boca, contemplando horrorizada aquela possibilidade.

- Não fale isso nem brincando, Lídia! – Mariana exclamou em um tom reprovativo para a irmã.

- Meu Deus! Que caras são essas? Parece que alguém morreu. – Luccino falou tudo em um tom descontraído, anunciando sua presença e de Otávio. Ele e o capitão acabaram de voltar de uma caminhada, atividade que se mostrou do gosto de ambos, já que podiam ir para qualquer lugar e conversar sobre qualquer coisa.

- Rapazes... – Darcy ficou branco ao ver o semblante tranquilo que os dois carregavam.

Brandão pigarreou, como se tentasse se aprumar e resolver aquela situação, se é que havia alguma forma de resolver. E então pediu:

- Luccino, é melhor você se sentar. – O coronel temia que aquele garoto tão doce e gentil não fosse receber bem a notícia. E, ao julgar pela expressão preocupada que tomou conta do semblante do mecânico, ele estava certo.

Luccino puxou a única cadeira da cozinha que fora trazida para aquele cômodo e ainda não estava ocupada, tendo as mãos gentis do capitão repousando em seus ombros para lhe dar algum conforto. Otávio estava atrás do italiano, também bastante apreensivo, temendo que algo tivesse acontecido com a família Pricelli, pois essa parecia a única hipótese plausível para deixar o coronel naquele estado.

- Deixa que eu falo. – Mariana pediu em um tom baixo e gentil para o esposo. Logo, inclinou o corpo para frente, se voltando ao amigo. – Luccino... o presidente eleito... assinou uma medida provisória sobre o Ministério dos Direitos Humanos e nela... não consta nada sobre a comunidade LGBT... Ele excluiu vocês de qualquer pasta. Não há uma menção sequer. – Tudo fora dito no tom mais gentil que uma irmã poderia ter.

2019 - Uma história LutávioWhere stories live. Discover now