Major Otávio

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Apesar da fome e do cansaço depois de uma manhã de treinamentos intensos, os soldados tentavam manter uma ordem no fila do refeitório, pois eles sabiam que eram observados pelo tenente Otávio que, muitas vezes, parecia uma versão ainda mais disciplinada do coronel.

Randolfo respirava fundo, ainda tentando recuperar o fôlego das quatro voltas que acabaram de dar na extensão do quartel, sem prestar muita atenção no fila que caminhava a passos largos. Antes que pudesse perceber o que estava acontecendo, um de seus colegas passou na sua frente e não demonstrou qualquer incômodo quanto a isso.

- E-e-ei. – O susto da atitude repentina e a necessidade de impor no meio de tantas pessoas só fizeram com que a gagueira do rapaz se acentuasse. – V-v-v-você pa-pa-pa...

- O-o quê-quê? – O outro soldado imitou a maneira que Randolfo falava de uma forma debochada. – É melhor ficar de boca fechada, Vasconcelos. Ninguém entende o que você fala mesmo.

Outros dois homens que estavam atrás do soldado no fila se juntaram ao colega de farda na brincadeira de mau gosto e, para o seu azar, acabaram por não conseguir conter suas risadas. O barulho alto e exagerado chamou a atenção de seu superior na mesma hora.

- O que está acontecendo aqui? – Otávio perguntou em tom um firme, com a voz um tanto elevada para que sua presença enchesse o local. – Eu pensei que tivesse deixado claro que queria ordem durante as refeições.

- De-de-desculpe, tenente. – O rapaz disse em um tom baixo e, claramente, encabulado.

E, não satisfeitos em cometer o erro uma única vez, os soldados ao redor começaram a rir do jeito que o colega falara.

- O que pensam que estão fazendo? – O superior aumentou ainda mais a voz, lançando sobre seus homens um olhar de mais pura reprovação. – Caçoando de um colega de farda? Se estivessem na guerra duvido que vocês teriam tantas exigências quanto a quem luta ao seu lado. Não importa como a pessoa é, todos aqui defendem a mesma bandeira e eu exijo que mantenham o respeito.

- Sim senhor, tenente. – Todos os soldados no refeitório falaram em uníssono.

- E vocês três, - Otávio se voltou para os homens que começaram a zombaria com um olhar ainda mais amedrontador. – para o fim da fila.

Os rapazes não ousaram contestar ou, sequer, reclamar quanto à ordem do superior e fizeram o que lhes foi mandado.

Randolfo mantinha os olhos abaixados, encarando o chão, e precisou reprimir um sorriso de satisfação ao ver os homens andando para o outro lado da sala, aonde a extensa fila terminava. Ele não sentia prazer em ver que os colegas precisariam esperar ainda mais para comer, mesmo estando tão famintos como todos que estavam ali. O que lhe causou a vontade de sorrir foi a certeza de que o tenente não permitiria que sua fragilidade, como muitos definiriam, fosse usada contra ele. E isso lhe fez querer dar ainda mais de si no treinamento que seguiria durante a tarde.


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O coronel Brandão fez a gentileza de levar Otávio e Randolfo à rodoviária para embarcar no primeiro ônibus do dia com destino a São Paulo. E, graças à persuasão típica das Benedito, permitiu que Lídia e Luccino os acompanhassem.

O ônibus só partiria às sete e quinze da manhã e, como era costumeiro do coronel, eles chegaram com vinte minutos de antecedência. Aproveitando-se disso, Lídia insistiu que estava cansada e queria sentar-se, o que era uma desculpa esfarrapada para ficar mais à vontade com seu futuro capitão, antes da longa e sofrida semana que passaria sem a sua companhia.

2019 - Uma história LutávioWhere stories live. Discover now