cap. 21 | as descomungadas

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Minha mãe me pergunta todo santo dia porque resolvi começar a ir de táxi para os ensaios do musical, e todas as vezes, respondo a mesma coisa: A viagem com motoristas desconhecidos me inspira.

Era mentira, claro. Depois do fiasco da noite vegana eu não conseguia mais acionar meu estado de plenitude e agir normalmente com Cazinho. Estava claro nossa discordância sobre o porque de eu ter o convidado para ir à festa comigo. Se ele queria achar que era para fazer ciúmes no meu ex idiota que ficasse achando! Todo o meu feminismo convertido em gentileza com os homens só havia me trazido problemas até agora. Talvez eu devesse virar lésbica de uma vez.

Primeiramente, penso que evitar meu motorista vai ser a coisa mais fácil do mundo, mas sempre que saio pela porta ele está lá parado frente ao automóvel, esperando para nos guiar em uma viagem. Seu semblante que era profissional/gentil quando me via agora é profissional/deprimido. Todas as vezes faço o mesmo processo. Contorno o carro e depois o laguinho para esperar pelo táxi que eu certifico de chamar antes. Um sentimento estranho dentro do meu peito que eu tento sufocar incessantemente.

Sigo minha rotina até o final de agosto – bye bye melhor mês do mundo – pretendendo continuar em setembro.

Setembro! Como eu posso começar a explicar setembro?

O mês do musical. Eu estaria mentindo se dissesse que todos esses ensaios e preparação não haviam me deixado ansiosa, afinal de contas, o papel principal ainda era meu. Já faziam algumas semanas que os testes de figurino haviam começado. As assistentes tiraram todas as medidas do meu corpo para o figurino do Troy e até exibiram uma seleção de perucas para que eu escolhesse a que ficasse mais confortável. A diretora principal da peça – Sol, a mulher infeliz – não parecia nada contente com a minha repulsão natural em ter que prender meus cabelos que não paravam de crescer (créditos ao creme capilar japonês), mas ela não iria precisar se preocupar. Eu faria pelo bem do teatro.

Volto para casa de táxi depois de termos nosso primeiro ensaio geral aquele mês. Quando eu assistia a peças no teatro, não podia imaginar como aqueles atores e atrizes sofriam nos bastidores. Não até sentir na própria pele. Um ensaio geral com figurino, cenário e luzes, era cem por cento mais trabalhoso e cansativo. Vou deitada a viagem inteira no banco de trás. Até tiro uma soneca. A única coisa que passa pela minha cabeça é chegar no meu quarto e desabar sobre a cama.

Infelizmente um empecilho chato, desnaturado e botocado me barra assim que começo a subir as escadas.

– Eu não acredito que você fez isso! – Minha mãe aponta um dedo em minha direção. A puddle Katy Perry esta dormindo como um bebê no seu outro braço.

Eu nem ao menos tento pensar no que ela esta falando. Eu conhecia aquela mulher muito bem e sabia que era alguma bobagem que não valia meu precioso tempo para dormir.

– A gente pode conversar depois? – Continuo subindo as escadas arrastada de cansaço. – O ensaio hoje foi terrível! Preciso me recompor urgentemente.

– Como você foi capaz de substituir minha cadela? – Ela grita mais alto.

Opa! O cansaço acumulado no meu corpo vai se filtrando rapidamente até virar puro nervosismo. Paro de subir os degraus imediatamente.

– Do que você tá falando? – Sorrio forçada.

Minha mãe acorda Katy Perry com um movimento brusco quando a estende em minha direção.

– Eu já sei de tudo! Sua cobrinha assassina matou o meu bebê e você não pensou duas vezes antes de se livrar do corpo e achar um novo clone para colocar no lugar!

Só agora percebo que os olhos dela estão meio avermelhados. Provavelmente chorou quando descobriu. Eu não sabia ao certo se minha mãe realmente se importava com aquelas cadelas ou só gostava delas porque eram mais um de seus adereços. Mesmo assim sinto um misto de pena e vergonha.

Uma Barbie Incompreendida [✓]Onde histórias criam vida. Descubra agora