A mortalmente gélida brisa começara a passear pela noite enluarada anunciando a chegada do inverno. A paisagem do lugar que agora estava preenchida em um degrade de folhas em tons laranja, vermelho e amarelo, logo seria escondida por um intenso branco.
Na maioria das vezes, por aquelas horas, todas as pessoas já estariam dentro de suas casas, enroladas em cobertores e trapos, deitadas em um amontoado de panos, aguardando ansiosamente o sol nascer. Mas por algum motivo, a expressão de todas as pessoas não se encaixava na peça que caminhava de forma rápida e ligeira pela floresta.
Era uma figura misteriosa, não possuía grande coisa para descrição, o máximo que se podia ver eram elegantes botas, uma longa capa negra com furos causados pelo tempo, era corcunda e possuía olhos brilhantes, azuis e astutos olhos brilhantes...
Existiam vários motivos para ninguém se aventurar no local nas horas tardias, um deles eram os lobisomens, à aproximadamente dois ciclos lunares esses seres não ousavam sair de seus covis, eles temiam os homens, temiam que os matassem. Mas, por motivos desconhecidos, alguns passaram a perambular por todo o reino atacando quem quer que se aproximasse.
Outro eram as quimeras, estes monstros tinham a forma humana, a diferença era em seu tamanho – geralmente eram maiores que dois metros de altura – e o lado esquerdo de seu corpo, desde a raiz dos cabelos até a ponta dos pés essas criaturas eram cobertas de escamas e manchas coloridas, alguns até possuíam cabeças de animais brotando de sua pele, como uma planta perfurando a terra para florescer.
Já havia um bom tempo desde que o vulto estava caminhando, mas ao que parecia seus pés não estavam nem um pouco cansados, a pessoa se escondida pela capa e mantinha seus pensamentos fixos em seu destino, transmitia a sensação de que não iria parar tão cedo, e nem pretendia.
A folhagem dos carvalhos da floresta formava um gigantesco arco acima de sua cabeça, era possível vê-lo graças aos vaga-lumes que voavam de maneira peculiar por toda a extensão do local. Esquilos e animais menores corriam por entre a vegetação rasteira fugindo da noite rumo a seus abrigos dentro de árvores ocas enquanto pássaros noturnos cantavam a sua canção.
A figura olhou para cima, tentando avistar as estrelas entre o vão de um galho e outro, porém era inútil, o arco tampara de forma quase completa o céu azul. Se quisesse continuar a fazer a ação teria que subir em um lugar alto, e isso seria uma completa perda de tempo para o tal.
Frustrado, repousou seus olhos novamente na trilha que anteriormente estava a seguir e percebeu uma séria mudança. O ligeiro zunido dos vaga-lumes voando, o cântico dos pássaros e o som das patas de animais silvestres caminhando sobre o mesmo chão que ele, havia cessado, simplesmente cessado de uma maneira espontânea. O ser encapado olhou a sua volta, a escuridão de fato não ajudava em nada com sua visão, mas era possível ver que nada se mexia, até mesmo o vento havia parado.
— Você não deveria andar por aí sozinha há essas horas, vovozinha. – uma voz seca falou, de início não se sabia ao certo de onde ela vinha, mas ao observar bem percebia-se que ecoava de cima, nos galhos mais altos.
A silhueta que a voz chamara de “vovozinha” riu, uma risada rouca, áspera e aguda ao mesmo tempo, como se essa fosse à primeira vez que risse em vários anos.
— Da próxima vez tomarei mais cuidado. – era possível perceber um tom de sarcasmo e ironia no ruído que saia de sua boca.
Desta vez foi o ser em cima das árvores que riu.
— Acha mesmo que haverá outra vez? – ouviu-se um baque surdo, a quem fosse que pertencesse a voz, essa era a hora de descobrir, a tal pessoa havia pulado.
O ser estendeu a mão e dela fez surgir uma luz, pequena e roxeada, iluminava o suficiente para que fosse possível ver o rosto de ambos que ali estavam presentes. A face do desconhecido era reptiliana, seus olhos, ligeiramente puxados e parecidos com o de um crocodilo, seu corpo, esbelto e inteiramente coberto por escamas, sua cabeça era achatada e possuía duas pontas nas laterais, como chifres, que eram voltados para cima, sua boca sem lábios era grande e exibia um sorriso macabro de dentes pontiagudos, possuía também um rabo, de mais ou menos um metro e vinte que balança suavemente no ar. Cheirava a lixo em decomposição.
— Ora, o que temos aqui? – perguntou a suposta vó. – Você não é destas bandas, é? Bichos imundos como você costumam habitar o norte! – ela sibilou entre os dentes, com um tom ácido.
— Você é muito corajosa para uma idosa. – o réptil não pareceu ofendido com o insulto.
A velhota gargalhou.
— Você é ingênuo – gaguejou essas palavras – E isso o torna bem... engraçado.
— Engraçado?! - o outro finalmente pareceu irritado – Sua velha inútil! Deveria estar com medo! – e partiu para cima, sua calda se agitou começando a “dançar” no ar, Ele abriu sua enorme boca exibindo novamente os dentes afiados, fechou a mão apagando a esfera de luz e se preparou para dar um soco, porém foi surpreendido.
Uma mão agarrou seu pescoço e o jogou para longe com uma força surpreendente. A partir do momento em que aquela bola de luz sumira, os dois foram engolidos pela escuridão novamente, sendo assim, atacava as cegas qualquer um que ousasse encosta-lo.
Porém isso não durou muito tempo, outra fonte luminosa agora surgira, desta vez vermelha, um vermelho forte, cor de sangue, bem maior do que a que ele mesmo produzira. Vinha de uma mão ossuda e fina, obviamente, da mulher idosa. Ela caminhou de forma calma e lenta até o lagarto que estava caído no chão, iluminou seu rosto e, nesse instante, espanto se instalou nos olhos puxados daquele ser.
A face da idosa era com certeza uma das mais deploráveis que ele já vira, seus cabelos ralos e brancos caiam como uma cortina prateada sobre seu rosto, seus olhos azuis eram foscos e possuíam um aspecto morto, além de serem tortos e possuírem olheiras profundas abaixo deles. Rugas eram presentes em todos os ângulos que se olhava para aquele formato magro e oval, juntamente com algumas verrugas em seu queixo.
— Ora, não se assuste, vai acabar se acostumando, esse será o rosto que verá todos os dias a partir de agora... – ela sussurrava, de uma maneira doce.
E envolvendo a cabeça escamosa e escorregadia do lagarto,track! Quebrou seu pescoço como se não passasse de um osso de galinha.
— Você me fez perder muito tempo seu merdinha! - chutou o corpo morto com raiva – Enquanto te matava poderia ter andado mais dois quilômetros! – chutou-o novamente.
Ela retirou o manto negro, exibindo seu corpo de aparência frágil e largou-o no chão. A neve começara a cair deixando os poucos cabelos da velha úmidos e cobrindo o chão de branco.
Esticou seus braços para cima e começou a murmurar palavras em uma língua desconhecida, uma aura iridescente ia se formando a sua volta, se intensificando cada vez mais conforme as palavras eram ditas, a terra a sua volta ia apodrecendo, ficando preta e sem vida, a neve virava algo parecido com cinzas, às árvores se deterioravam deixando de ter folhagens e passarem para troncos mochos e negros, animais caíam duros e frios no chão instantaneamente.
Ao terminar de entoar as palavras, todo aquele local havia ficado pútrido e sombrio. Deixando somente no centro de tudo uma alta torre de pedra com uma única janela e uma jovem, de pele macia, olhos azuis cristalinos, um corpo de belas curvas e um cabelo loiro com mais de metros de comprimento.
Estava sentada na beirada daquela pequena janela, com os fios dourados caindo para baixo, quase tocando o chão, cantando com uma voz angelical uma canção harmoniosa.
“Talvez o mundo não seja tão colorido quanto parece...”
Bom galera espero que tenham gostado e até a próxima
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RAPUNZEL A HISTÓRIA NUNCA CONTADA
FantasyE se ao invés do velho conto de fadas, a verdadeira história de Rapunzel envolvesse algo mais sombrio, ao invés de fadas, demônios, ao invés de alegria, tristeza, ao invés de amor... morte.