O cheiro de comida vindo da cozinha deveria estar fazendo meu estômago roncar e minha boca salivar. Afinal, era um odor agradável e fresco de ervas, misturado com o que eu distinguia como caldo suculento de frango e queijo, e eu não havia comido nada mais do que uma mísera maçã o dia todo. Mas, no momento em que a forma de metal lotada com pedaços apetitosos de frango e batatas cortadas em quadrados cautelosos aparece na mesa de jantar, só o que consigo sentir é a forma como meu estômago se embrulha.
E tudo porque é Austin que vem com um sorriso no rosto me servir. Porque a culpa vem rastejando por dentro de mim sempre que olho para os olhos amorosos dele.
Mesmo tendo se passado uma semana inteira desde a noite em que Shane havia bagunçado de novo todas as peças do quebra-cabeça que era minha vida, eu ainda me arrepiava com o pensamento. Era como se eu pudesse sentir os dedos dele constantemente me tocando por debaixo da camisa, enterrados na pele da minha cintura, mantendo-me firme contra si como se eu pudesse desaparecer a qualquer minuto. As faíscas que ele causava me deixavam agitada vinte e quatro horas por dia e isso estava me deixando louca.
Eu não queria voltar a sentir isso. Não queria ficar de novo dependente das sensações que ninguém mais senão ele conseguia causar. Tudo o que eu queria era esquecê-lo; deletá-lo da mente e poder me concentrar no homem que, neste momento, estava sorrindo para mim da forma mais carinhosa possível. Do homem que não traria nem metade das complicações que Shane me causava.
O problema era convencer meu coração desse fato. Shane havia sido o amor mais intenso que eu experenciara? Com certeza. E eu tentava me convencer todo dia de que, era por esse motivo que eu ainda sentia minhas batidas cardíacas ficarem mais rápidas quando estávamos por perto. Mas, esse não era mais o Shane da minha adolescência. Ele também tinha crescido, também tinha mudado e se tornado uma pessoa diferente. Uma pessoa que, às vezes, se parecia muito ainda com o Shane Oxford de dez anos atrás. Seria por isso que meu coração não conseguia deixar de se apegar ao pensamento de que, bem no fundo, o meu Shane ainda existisse?
A culpa também era algo que estava me corroendo de dentro para fora. Culpa por ter beijado Shane, sabendo dos sentimentos que Austin tinha por mim. Desde nosso primeiro beijo, ele e eu tínhamos entrado em uma espécie de limbo que ficava entre a amizade e um relacionamento amoroso. Na maior parte do tempo, ainda éramos Austin e Sam, dois melhores amigos que haviam esperado uma década para se reencontrar. Mas, dentro de um quarto desses momentos, agíamos com um nível de carinho que não compartilhávamos há dez anos atrás.
E eu o amava. Nunca duvidaria disso. Amava Austin, pois ele era tão parte de mim quanto minha pele. Pois ele havia permanecido por todos esses anos do meu lado, mesmo com milhares de léguas entre nós. O único problema era que ele não pertencia ao meu coração.
Shane era o dono. Foi desde o primeiro momento em que o vi. E eu duvidava de que isso fosse mudar tão cedo.
A culpa também me fazia pensar em Hannah. Ela era minha melhor amiga de infância. E noiva de Shane. Hannah havia me acolhido em sua casa, me dado um lar nesse cidade imensa e assustadora, cuidado de mim por muitos anos e até hoje estar do meu lado para sorrir e dizer que tudo ficaria bem. Ela não tinha deixado o nosso tempo separadas afetar qualquer carinho que tivéssemos uma pela outra. E o que eu tinha feito? Entrado na sua vida, na sua casa, trazido tantas lembranças boas apenas para manchá-las com o fato de que eu era apaixonada pelo homem que ela amava? Hannah me acolhera em seu coração e eu estava prestes a esfaqueá-la da forma mais cruel possível.
-No que você está pensando? - Austin me tira dos pensamentos, fazendo-me voltar a realidade da sua sala de estar e da panela a minha frente exalando o cheiro forte de frango suculento. - Parece preocupada.
