Tudo que vai, volta

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Igual. Tudo estava igual. As ruas, as pessoas, a rotina apressada daqueles que passavam pelas calçadas. Os mesmos carrinhos de comida, a mesma luz intensa dos anúncios que coloriam a Times Square, o mesmo trânsito congestionado por carros barulhentos, os mesmos sons enchendo meus ouvidos com o farfalhar urbano.

Nova York continuava a mesma de dez anos atrás. Ou, talvez, eu achasse isso porque eu havia mudado muito.

Definitivamente, eu não era mais a garotinha de 18 anos que tinha a cabeça entre as nuvens. Não que eu ainda não ficasse deslumbrada com a paixão e o sentimento que essa cidade despertava dentro de mim. Mas, a realidade adulta tinha me afogado muito cedo em suas ondas frias e salgadas, e agora, já não era mais tão fácil fazer meus olhos brilharem.

Porém, pela primeira vez em muito tempo, eu finalmente me sentia jovem outra vez. Sentia-me mais como a velha Samantha Hall, que um dia pensou que sacrificaria tudo por essa cidade. E era bom. Sentir a velha Sam abrindo caminho de dentro de mim, de dentro da jaula na qual eu havia a posto. Era bom sentir algo que não fosse a tristeza sufocante na qual eu havia me afogado há muito tempo atrás.

-Não consigo acreditar que você está aqui! - exclama a garota sentada ao meu lado no banco do motorista, sorridente e animada.

Os anos tinham sido generosos com Hannah Walker. Ela continuava o mesmo ser estonteante do qual eu me lembrava; os mesmo cabelos do vivo castanho claro, os mesmos profundos olhos escuros, o mesmo sorriso sincero, carinhoso e amigável da garota que fora, um dia, minha melhor amiga. Ela estava mais magra, mas seu corpo tinha adquirido curvas especialmente na cintura e nos seios. Estava também mais elegante do que antes; finalmente tinha abandonado os velhos suéteres que tanto amava usar na nossa adolescência.

Conheci Hannah Walker aos 5 anos de idade na escola primária de Yorkshire. Ela tinha acabado de se mudar para o bairro na época, e era baixinha, usava óculos de grau redondos e tinha uma personalidade muito forte - algo que eu duvido que tenha mudado. A amizade foi instantânea; dois olhinhos infantis e inocentes que se encontraram na pracinha principal que ficava há algumas ruas abaixo da minha casa, e que se conectaram automaticamente. Para duas garotinhas tão jovens, aquilo chegava a quase ser cômico. Mas, não havia nada de engraçado na situação; Hannah e eu, de fato, tínhamos encontrado uma na outra a irmã que nunca havíamos tido.

Porque sim, Hannah Walker era minha irmã. Não de sangue. De alma.

Faziam nove anos que eu não a via, no entanto. Ela, um ano depois da tragédia que tinha abalado minha vida, mudou-se para a cidade na qual eu agora me encontrava, aprovada por uma das universidades de artes mais respeitadas do país: a NYADA. Hannah sempre fora uma dançarina excepcionalmente talentosa; amava qualquer estilo que envolvesse mover o corpo ao ritmo de alguma música. Por isso, é claro, não pensou duas vezes antes de se matricular na faculdade que a levaria as alturas. Mudou-se naquele mesmo ano e eu me lembro de ter chorado noite após noite, durante um mês, por ter perdido minha melhor amiga. Eu já havia perdido tanta coisa. Sem ela, como me manteria de pé?

Não era justo, porém, fazê-la ficar. Aquele era meu fardo para carregar. Eu tinha desistido de todos meus sonhos em favor do bem maior, das pessoas que precisavam de mim. Não deixaria Hannah perder uma oportunidade daquelas por causa do meu egoísmo.

Nós sempre tínhamos prometido a nós mesmas que iríamos nos mudar para Nova York juntas. Eu sabia que, se lhe dissesse que estava ficando porque não tinha forças para ir embora, ela ficaria comigo. Nossa amizade era forte a esse ponto: Hannah desistiria de tudo para me apoiar, para cuidar de mim. Foi por isso que, naquele mesmo mês, após ela ter recebido sua carta de aprovação da NYADA, eu lhe disse que a NYU não tinha me aceitado em sua universidade. Tive que prometer umas mil vezes que tentaria de novo no ano seguinte, que eu não ia desistir do meu sonho. Sabia, porém, no fundo do meu âmago, que todas aquelas promessas eram vazias - a carta descartada no lixo da minha aprovação na NYU era prova disso. Eu não tentaria as provas no ano que se seguisse. Em fato, não as tentaria nunca mais. Meu futuro já estava decidido e eu não pretendia tragar mais ninguém para o buraco no qual eu estava me enterrando.

Eu Te Amo (Outra Vez)Onde histórias criam vida. Descubra agora