cap. 5

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  • Dedicado a Mariana Almeida Hnlzl
                                    

Eu não quis acreditar no que via. Era o mesmo rapaz alto e vestido de preto que encontrei por acaso e por leve inocência na Opra. Quis esconder-me e quase chamei o senhor Grogan para ser ele a atender aquele cliente que para mim era um mistério. Corria o risco de ser despedida por ser descriminadora. Sinceramente importava-me com as palavras que haveria de usar. Nem sequer lhe consigo ver os olhos. Será cego? Ou será que está a passar por um luto? Nem me devia preocupar com isto. Que ridícula.

Respirei fundo e atendi com os maiores dos cuidados aquele cliente que visitava a padaria todo vestido de preto.

"Boa tarde, posso ajuda-lo?", disse com as maiores das calmas tentando não parecer uma rapariga qualquer nervosa e com as mãos transpiradas de todos os nervos que percorriam o meu sistema nervoso periférico.

O sujeito, com a cabeça voltada para baixo, sem manter qualquer tipo de contacto visual comigo apontou para o último sonho que estava no mostrador que era composto por chocolate e raspas de côco. Sem dúvida um dos meus favoritos. Uma coisa dele eu sabia naquele momento, tinha bom gosto. Mas também, raios me partam, eu não preciso de saber nada dele. Perguntei se era para levar e ele abanou a cabeça mencionando um sim e eu observei, por acaso, uma pequena parte da sua tatuagem claramente escondida pelo blusão escuro que ele usava. Reparando no meu olhar interrogado para o seu braço, este rapidamente o ajeitou, tapando completamente qualquer rasto que pudesse ser visto. Como se fosse um tesouro ou então não queria que eu visse, detestava-me.

"Desculpe, eu não queria.... Quer dizer, eu não... Bem, eu só estava...", estava confusa, eu sabia que não devia ter dito nada, como tinha planeado, mas a minha boca abre-se sempre de forma autonoma, quase como se não tivesse controlo nenhum sobre os meus actos e sobre as minhas palavras, justamente. Ele levou o seu dedo à sua boca como sinal de silêncio e vi um pequeno sorriso escondido atrás daquele corpo negro, podia jurar que tinha visto aquilo em algum lugar. Ele pegou na caixa que eu tinha colocado em cima do balcão, pousou o dinheiro na minha mão que se estendia e virou as costas, caminhando em direção à saída, deixando-me novamente sem saber o seu nome, onde vivia e o que fazia na Opera no mesmo dia que eu. Mas porque é que eu me interesso com este gótico estúpido que nem uma palavra me ofereceu? 

"Boa tarde.", disse-lhe antes de ele abrir a porta e tomar um rumo qualquer que eu iria nunca descobrir. Por surpresa minha, voltou-se devagar para mim antes de rodar a maçaneta da porta e voltou a consentir com a cabeça, rodando-se novamente para a frente, saindo a caminho do horizonte com passo rápido e ao mesmo tempo medroso. A sério, qual é o problema dele com a fala? Cego não era, tinha percebido quando apontou para o bolo. Mas não pronunciou nenhuma palavra, nenhuma sílaba, nem nenhum ditongo. Porra. O que se passa com aquele rapaz?

Deixei-me por uns tempos de me preocupar com o todo vestido de negro e dediquei-me a acabar o meu trabalho. Depois de meia hora estava tudo limpo, arrumado e preparado para amanhã voltar ao mesmo. Não tinha sido assim tão mau e eu senti-me feliz ao fazer algo útil e por um par de horas esquecer que a minha vida está como as roupas que o rapaz do cabelo desalinhado.... O quê? Que rapaz e que roupas? Eu estou doída, eu devia mesmo ir para casa. Despedi-me do senhor Grogan e saí. O Wiltson estava à minha espera e quando me viu levantou-se, com a sua língua comprida e cauda a abanar para me cumprimentar da melhor forma que eu podia ser. Baixei-me para lhe fazer o mesmo e elogiava-o enquanto matava saudades daquele que é o meu companheiro de vida.

Saltei para a bicicleta e pedalei para casa com o pensamento na Anny. Enquanto estacionava sentia o cheiro delicioso do bacalhau com natas da minha avó e corri até à porta. O meu avô estava no sofã com a sua camisa xadrez e a Anny estava ao seu lado com um livro no colo que falava do poder do amor. Porque é que até ela se interessa mais pela coisa chata que é o amor que eu? Cumprimentei toda a gente enquanto pousava a minha mochila e removia as minhas sandálias deixando-as arrumadas à porta de casa. 

"Então Anny, que fizeste hoje? Foste brincar com as irmãs do Thomas?", eu não esperava outra resposta que fosse não, eu sabia que ela nunca iria para lá e assim tive o meu não, como calculava. A Anny já não brincava com ninguém. Sinceramente não me lembro da última vez que pegou numa boneca ou então que me pedisse para ver um programa de Tv qualquer que envolvesse desenhos animados. 

"Queres vir brincar?", disse-lhe enquanto me sentava no chão perto do monte de legos que rodeavam o tapete que a minha avó tinha lá colocado de maneira a conquistar Anny para a brincadeira, para que ela deixasse a nuvem cinzenta sair pela janela, ou então que a deixasse pousada no sofã por uns momentos enquanto brincava como uma criança que é. Senti a minha avó a espreitar pela cozinha à espera de uma reação, afinal todos esperavamos isso. Novamente não, ela não queria brincar e deixou isso bem claro quando abanou a cabeça negativamente enquanto se focava no livro que tinha eu a certeza, era demais para a sua idade.

Comecei a brincar, montei sozinha uma torre gigante, deixava que ela se desmontasse toda para a fazer rir enquanto a tentava convencer que podia ser divertido pensar que uma princesa qualquer poderia amar viver num castelo construído por nós e com cada pedaço do seu coração alguém podia ser mais feliz no seu reino. Ela sorria docemente e eu sentia que os olhos dela pediam pelo corpo todo para ter vontade de brincar. Mas ela não tinha mesmo, nem um bocadinho que a fizesse mover para perto de mim, continuava imóvel no sofã e o meu psicológico afundava-se cada vez mais.

"Não achas divertido Anny? Eu estou a gostar mesmo disto, amanhã quando voltar do trabalho vou voltar a brincar e vou construir uma torre ainda maior. Tenho a certeza que amanhã vais querer brincar comigo!", sabia que ela não iria querer, mas as lágrimas que afundavam os meus olhos ainda tinham esperança. Deixei tudo como estava, um ar de desarrumação podia dar-lhe mais vontade, mas o corpo dela continuava sem vida, acho que nem os meus olhos teriam algum tipo de brilho neste momento, acho que eu própria não ouvia a minha fala, nem sentia sequer a minha pulsação. O estado dela deteorava-me por completo.

"Anda, vamos jantar.", dei-lhe a mão e acompanhei-a até à mesa onde os quatro nos sentamos a conversar sobre o futuro. A Anny não sabia do concerto, nem muito menos dos bastidores. Acho que uma surpresa podia ser ótimo. Ao mesmo tempo também achava que não, podia ser mau para ela o choque que iria receber apartir das suas emoções ao vê-los. Decido arriscar, eu sei o quanto ela é forte. 

Começou novamente a publicidade da super e boa banda na Tv e foi assim que ela se levantou da mesa e correu para o grande ecrã acompanhada pelo Wiltson que supôs que esta o fosse alimentar. Dei um leve sorriso para o ambiente da casa naquele momento e levantei-me para servir o esfomeado do bichinho de quatro patas e de seguida arrumar a cozinha enquanto a minha avó e o meu avô se despediam de mim e de Anny para se deitarem no quarto a usufruiu dos últimos episódios de uma novela qualquer que dá por estas horas.

Estava tudo pronto, decidi então apagar a luz e verificar se a Anny via televisão na sala. Não estava lá. Voltei à cozinha e não vi sinais dela. Fui ao seu quarto e procurei debaixo da cama, nos armários e corri até à casa de banho, nada. Ela não podia ter-se evaporado. Comecei a chamar pelo nome dela, ironicamente, pois sabia que não iria saber onde ela está por meios de comunicação. Olhei para o meu lado e não vi o Wiltson, decidi chamar por ele e nem ele apareceu. Fui à casota dele no jardim, lembrava-me de quando era mais nova brincar com a Anny às escondidas e o seu lugar preferido para se esconder era esse mesmo, na maior parte das vezes ela estava lá e para a deixar contente esse era o último sítio que eu a procurava. Realmente eramos felizes. Começou a  chover e eu decidi entrar em casa, um sexto sentido meu dizia-me que ela estava bem perto, certamente o Wiltson não a deixava ir a lado nenhum. Estariam a brincar às escondidas?

Subi as escadas até aos quartos novamente. Ela tinha que estar por aqui. 

Por ti, que lhe fizeste falar - Harry Styles.Onde histórias criam vida. Descubra agora