cap. 6

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Havia um lugar na casa que eu ainda não tinha espreitado e era para lá que eu ia agora, o meu quarto. Abri a porta devagar, ela podia até estar a dormir na minha cama, mas não estava. Tinha posto a minha simples cadeira de escritório perto da janela e admirava a chuva a cair monótona sobre o parapeito onde lá deixei um vaso que era da nossa mãe, agora seco e vazio. Gotas faziam uma maratona no vidro e os seus olhos azuis espelhavam-se a acompanha-las. Fascinava-me a forma como ela dominava com o olhar estas coisas tão simples da vida. Gostava de ver como as suas mãos e os seus dedos desenhavam figuras no vidro embaçado. Deixava-me confortável a maneira com a chuva a fazia sentir. Tão natural.

"Então, estás a gostar de ouvir a chuva?", ela encostou o seu ouvido à janela e eu deixei sair uma risada, ela sorria do seu disparate. Abri a janela, a chuva não estava fria ou forte, estava só molhada. Peguei na mão de Anny e coloquei na parte de fora, deixei-a sentir a chuva e ela fazia com que eu entendesse que esta lhe fazia cócegas. Concordei com ela, fazia mesmo. Se não fosse tão tarde, desciamos e iamos levantar a boca para o céu e beber aquela água ácida como eu gostava de fazer antigamente, com o pai. Sinceramente, gostava de ver a sua reação quando ficasse toda encharcada e com as botas rosa cheias de lama. Ri dos meus pensamentos e ela continuava focada no horizonte mas agora com o rosto interrogado. Fiz o mesmo que ela, consegui sentir-me completa com ela ao meu lado, eu sabia que não a podia perder, nunca.

Estava na hora de deitar, peguei na mão dela e fechei a janela levando-a para o seu quarto. Deitou-se enquanto eu lhe deixava acesa uma vela por perto e depois segui para o seu lado para lhe beijar a testa e aconchegar-lhe nos lençóis doces do seu conforto. Perguntei-lhe se gostaria que lhe contasse uma história nova sobre o Harry e a verdade é que ela quis mesmo, como eu o esperava, então contei-lhe. Contei-lhe que um rapaz como ele vivia em busca de encontrar uma princesa que se chamasse Anny, tivesse longos cabelos loiros encaracolados e olhos azuis como o mar. Um dia encontraram-se e foram muito felizes juntos, montavam a cavalo todos os dias e à noite, na sala real do seu castelo encantado tomavam chã e viam a lareira queimar. Continuei até adormecer imaginando situações que o rapaz dos seus sonhos poderia viver ao lado dela, tudo sonhos, mas é disso que vivem as crianças.

Deixei-a dormir e suprei a vela calmamente, do mesmo modo calmo desloquei-me para o meu quarto para mergulhar os meus pés cansados na cama, que já me esperava à muito tempo. Wiltson já dormia, como sempre e mais uma vez me perdi no meu sono e não consegui prever quantas horas tinham dormido até acordar de novo, para o trabalho na padaria do senhor Grogan.

"Bom dia senhor Grogan!", estava bem-disposta, o dia não estava chuvoso como eu imaginei que ia estar e na verdade, o meu chefe tinha comprado uns suspensórios vermelhos.

"Belos suspensórios senhor Grogan!", quis parecer bem educada ao elogia-lo.

"Obrigada Alexandra, bom dia.", não estava sorridente ou com vontade de me dar ordens. Sobre a minha primeira reflexão, devia saber que ele não iria estar sempre a sorrir para mim ou então quando sorriu no outro dia, foi realmente a única oportunidade de o ver sorrir. Há coisas assim na vida. Sobre a minha segunda e desconfiada reflexão, tinha a certeza que dar ordens era a sua tarefa favorita. Pensei em não me meter demasiado na vida dele, já era bom ele ter confiança naquilo que eu fazia, não era necessário vasculhar todo o seu interior, pelo menos por agora.

A manhã foi atarefada, como já suspeitava, mas tudo correu bem, assim eu o esperava para a parte da tarde.

Começamos a receber encomendas de certos locais longe, onde certamente ninguém teria disponibilidade para os vir buscar pessoalmente. Embalei tudo e coloquei a etiqueta em todos os meus embrulhos que permitiam ao carteiro fazer as suas entregas corretas. Reparei numa, especial, pelo nome saltou-me aos olhos, dizia para ser entregue na Opera, se possível à funcionária Christina. Eu sabia para onde este pedido iria, aliás, era mesmo ao virar da rua. Da última vez a Christina tinha cá vindo, mas só tomou um café, será que se interessou por algum sonho dos nossos? Ela ou outra pessoa envolvida na Opera? E que tipo de sonho era? A curiosidade matou-me, então voltei a desembrulhar a embalagem e abri a caixa para ver que especialidade da nossa loja tinha eu posto lá dentro como me fora pedido. Eram sonhos de chocolate com raspas de cocô. Ok, isto foi demasiado estranho agora. O pedido do rapaz de preto. Oh não. Rapidamente voltei a por tudo no lugar que devia e voltei a ficar colada no endereço para onde estes maravilhosos sonhos iriam. Seriam para o tal rapaz? Mas ele tinha cá vindo buscar da outra vez... Talvez tenha ficado a odiar o meu atendimento ou mesmo a minha pessoa. Não consegui tirar os olhos do embrulho. Eu queria realmente saber para quem era.

"Alexis! Já que estás tão interessada nesse embrulho porque não fazes o favor de o ir entregar?", os meus olhos arregalaram-se, as minhas bochechas explodiram dentro da minha boca e o meu coração ficou parado no ínicio da minha garganta.

"Não é necessário senhor Grogan, eu só estava a certificar-me que estava tudo... que era... que vai... Quer dizer não preciso de entregar, o meu trabalho é aqui e de certeza que o carteiro fará uma boa entrega.", consegui completar uma boa segunda frase, um bom discurso achei eu. Respirei. O que parecia impossível quando o meu chefe me apanhou a olhar para o embrulho como se a minha vida dependesse disso.

"Agradecia-te imenso se fizessa essa entrega Alexis. Teria que pagar ao carteiro para entregar isso mesmo aqui ao lado, enquanto posso subir-te o ordenado por me fazeres esse favor. Prefiro pagar-te a ti. Na verdade, gostava de ficar com o dinheiro, mas se for para pagar que seja a ti e não ao ladrão do carteiro.", esbocei um sorriso e abanei com a cabeça anunciando que faria o que ele me pediu. Fiquei muito contente com a escolha dele. Tinha a certeza que nos iriamos dar muito bem, mais cedo ou mais tarde.

Esperei pelas 15h e lá fui eu fazer a minha entrega especial daquele dia. Lembrava-me perfeitamente onde ficava a Opera e também que caminho fazer lá dentro para chegar até à Christina. Mas hoje, de maneira diferente, o caminho até lá parecia infinito, parecia um oceano e eu mal sei nadar. Toda a gente que passava por mim na rua eram clientes da Lugar dos seus sonhos e eu acenava para eles ou então mandava um sorriso e era facilmente reconhecida, ainda para mais levava a minha bata e o avental. Estaria eu a fazer qualquer tipo de publicidade ao meu lugar de trabalho? 

Finalmente cheguei. Apanhei a brisa do mar e senti-me a ser empurrada até ao local onde se encontraria a Christina. Estes corredores cheiravam estranhamente a líxivia. Ouviam-se vários instrumentos musicais que abafavam qualquer voz, não ouvia ninguém sem ser instrumental. No entanto também era a única naqueles corredores. Uma janela. Sem querer olhei para o meu lado esquerdo e encontrei uma janela, decidi espreitar não faria mal. Faria? Não me importei, o máximo que me podia acontecer era levar qualquer tipo de raspanete, ninguém me iria prender por apenas olhar por uma janela e ainda era cedo para a entrega.

Olhei e a grande sala de concertos. Completamente maravilhosa. Fiquei entusiasmada para mostrar aquele lugar tão amplo à Anny, tenho a certeza que ela gostaria de correr por cada pedaço de chão onde daqui a menos de um ano estariam centenas de fãs e eu, incluída. Imaginei como seria ter tanta gente a aplaudir aquela banda, imaginei como seria difícil para eles repararem na Anny quando ela estiver neste corredor à procura dos bastidores daqueles egocêntricos. Seria interessante e ao mesmo tempo doloroso. Já me dói e ainda falta tanto tempo. Sou ansiosa e isso iria derrotar-me. Mesmo assim os meus olhos continuaram a vaguear aquele espaço que já viveu imensas histórias, que já sentiu as emoções loucas e chorosas de todas as fãs, de todos os géneros de música ou banda.

Estava perdida nos meus pensamentos até que alguém me tocou no ombro. 

Por ti, que lhe fizeste falar - Harry Styles.Onde histórias criam vida. Descubra agora