Capítulo II

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JUSTIN LAWFORD

Pelas frestas da janela observo a beleza do meu reino. No mercado do vilarejo os camponeses andam para lá e para cá, com seus rostos sorridentes. Nas barracas há abundância de alimentos. Tenho feito um bom trabalho.

O reino de Hawley nunca foi tão próspero nas mãos do meu progenitor. Me recuso a chamar aquele homem de pai. Anthony Lawford nunca foi meu pai.

Enquanto os pais dos outros meninos os ensinava a lutar, a ler e ser um bom chefe de famila, ele me espancava, me humilhava e me castigava.

Mary, a empregada que cuidava de mim, me dizia que nem sempre ele foi assim. Era um bom homem, corajoso, justo e carinhoso. Mas tudo mudou quando eu nasci e mamãe morreu. O homem bondoso morreu junto com ela e só sobrou o carrasco, bêbado e cruel.

Ele me culpou pela perda do amor de sua vida até seu último dia. No seu leito de morte me pediu perdão. Mas já era tarde, mesmo que eu o perdoasse, não teria como resgatar os anos de dor, de rejeição, de falta de afeto. Não teria como tirar a marca que carrego em minha face.

Uma vez, quando tinha por volta de nove anos, fugi do castelo para brincar com os garotos do vilarejo. Foi um dos meus dias mais felizes. Brinquei na neve a tarde toda, mas quando voltei para o castelo ele estava à minha espera. Naquele dia levei a maior surra de todas, mas o pior foram suas palavras.

— Você não merece nenhum segundo de felicidade. Eu te odeio, tirou tudo de mim, meu único prazer em continuar vivo é fazer você sofrer.

Depois de achar que era o bastante, arrastou meu corpo inerte e machucado até o celeiro escuro e me trancou lá.

Acordei com sede, fome e muito frio, já que estava nu. Não sei quanto tempo fiquei lá, mas quando não aguentava a dor que o frio causava ao meu corpo, tentei acender uma fogueira para me aquecer. Amontoei um pouco de feno e consegui acender o fogo com gravetos. Meu corpo estava cansado e sem forças. Acabei adormecendo novamente.

Acordei com os gritos desesperados dos empregados. O celeiro estava em chamas. A pequena fogueira que fiz acabou causando isso. Tentei me levantar mas meu peito ardia. A fumaça era densa e  pensei que finalmente eu morreria, mas quando tinha desistido de lutar, a porta se abriu de uma vez, e por ela Spencer passou correndo. Ele me pegou nos braços e me levou para um lugar seguro.

Fiquei entre a vida e a morte por um bom tempo. A fumaça que inalei prejudicou muito meus pulmões. Mas a pior consequência, a que não tinha solução, foi a cicatriz que carrego até hoje. Metade do meu rosto se queimou.

Depois daquele dia nunca mais sai do castelo. Não permito que ninguém me veja, a não ser Spencer, que ainda é o mordomo do castelo. Não quero que as pessoas zombem e sintam nojo de mim, já basta o que eu sinto quando me olho no espelho.

Me sinto sozinho, não vou mentir, gostaria de ser um homem como qualquer outro, sair e conversar com as pessoas, me apaixonar, me casar e ter filhos.

Preciso de um herdeiro, de que adianta ter tudo o que tenho, se quando morrer não terei para quem deixar? Mas que mulher se casaria com um homem horrível como eu? Seria justo eu obrigar alguém conviver comigo? Não sou tão cruel assim.

Saio dos meus devaneios quando avisto uma carruagem se aproximando dos portões do castelo.

É estranho. Quase nunca recebo visitas.

— SPENCER— Grito com a boca próxima a porta e logo meu amigo aparece.

— Pois não, lorde.

— Vi uma carruagem próxima aos portões, por favor receba nossos visitantes e os acomode nos melhores aposentos do castelo.

— Como quiser lorde, com licença.

Ele faz uma pequena reverência e se retira.

Alguns minutos depois, ele volta.

— O lorde Bawdrick está aqui, ele pede uma reunião com o senhor.

— Pois bem, depois do jantar traga-o até aqui. Como você já sabe, sem velas e nenhuma fonte de luz.

— Como queira lorde. Logo trarei seu jantar. Com licença.

Assim que terminei de me alimentar ouço alguém bater em minha porta.

— Entre.

— Boa noite. Sou Patrick Bawdrick, obrigado por me receber em seu castelo.

— Boa noite. Eu que agradeço a visita. Entre e sente-se.

Ele entra.

— Lorde Lawford, me desculpe a pergunta, mas porque essa escuridão?

— Me desculpe por atendê-lo assim, mas estou com um problema de saúde, e tenho que permanecer no escuro absoluto.

— Ah, sinto muito. — Ele finalmente encontra a poltrona e se senta. — Eu era muito amigo de seu pai, mas não tive a oportunidade de conhecê-lo. Pelo que vi, é um ótimo administrador, seu reino está muito maior e mais próspero que antes.

— Muito obrigado pelo elogio, realmente tento administrar da melhor forma possível. Mas vamos adiantar o assunto, o que traz o senhor aqui?

— Venho em busca de ajuda. Meu reino passa por dificuldades. As pessoas estão sofrendo com a fome e o senhor é minha última esperança.

— Entendo. De quanto o senhor precisa?

— Sete mil moedas de ouro.

— É uma grande quantia o senhor não acha? Me conte como o seu reino chegou nessa situação.

— Sei que é uma quantia elevada. A situação por lá está bem difícil. Não pense que chegamos a isso porque fui irresponsável, ou esbanjei dinheiro. Eu tenho dois filhos, a mais velha, Beatriz, acabou de completar dezoito anos e o mais moço, Henry, tem dezesseis. Henry nasceu muito doente. Gastei muito dinheiro tentando encontrar uma cura para o meu filho, mas nenhum médico conseguiu dar diagnóstico e nem cura para o que ele tem. Ele é só um garoto e eu o amo muito, — sua voz fica carregada, percebo que ele está se segurando para não chorar— Procurei então, lhe dar pelo menos um tratamento digno, ele sente muitas dores, então gastei o que me restava tentando lhe dar conforto. Agora meu reino está falido, sei que deveria me culpar, mas faria tudo novamente por meu menino.

Sinto uma pontada de inveja do filho desse homem. Como gostaria de ter tido um pai amoroso como ele.

Uma ideia passa por minha mente.

— O senhor disse que tem uma filha? Ela vive com o senhor ou já se casou?

— Tenho sim. Beatriz é meu orgulho. Doce e carinhosa. Ainda é solteira e vive comigo. Sou muito zeloso com ela, apesar de vários pedidos de casamento, não sedi a mão de minha filha à  ninguém.

— Então tenho uma proposta para o senhor. Não quero que se sinta ofendido. Eu lhe dou, não as sete mil moedas, mas sim dez mil, e em troca o senhor me dá a mão de sua filha.

— Eu… não sei. A opinião da minha filha conta muito para mim nessa situação. Não a obrigaria a se casar contra sua vontade. Não pense que sou um pai que faz todas as vontades dos filhos, mas quero minha filha feliz, entende?

— Não só o entendo, mas o adimiro por isso. Fale com a sua filha e me mande um mensageiro com a resposta.

— Obrigado Lorde. O senhor é um bom homem.— ele se levanta— tenha uma boa noite. Com licença.

Ele sai do quarto.

Eu preciso de um herdeiro. Sei que parece cruel da minha parte usar a situação desse homem ao meu favor, mas na verdade o ajudarei mesmo que recuse minha proposta.
Eu precisava tentar. E se ele aceitar não obrigarei a moça a viver uma vida infeliz comigo. Quando ela me der um filho a deixarei livre para viver como quiser, se quiser voltar para a casa do pai e se casar denovo, não impedirei. Não queria agir assim, mas não consigo encontrar outra solução para meu problema.




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