Cicatriz

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Eu sou assim mesmo, sabe? Não sabe, não é mesmo? Não te culpo, talvez eu também não saiba. Quero dizer, eu sou assim, desse jeito. Jeito que não sei explicar. Esse jeito meio doido de levar a vida. Ou talvez de não levá-la. Enfim, acho que essa foi uma forma meio confusa de se começar. Tentemos novamente.
Sabe, a vida tem uma forma estranha de fazer as coisas acontecerem, ou mesmo deixarem de acontecer. Nunca sabemos de qual dos dois se trata. Digo, pode se tratar dela estar causando a tristeza, ou pode ser que apenas não esteja causando a alegria. Entende? Ah, eu aceito que não entenda. É confuso mesmo. O que quero dizer é que talvez, e só talvez, a vida esteja ocupada fazendo algo muito importante e não pôde trazer o seu sorriso. Entende agora? Ela não trouxe suas lágrimas, só não teve tempo de evitá-las. E, se for mesmo isso, quem sabe ela não esteja cuidando para que você encontre seu motivo para sorrir. Eu sei, eu sei, é tão difícil acreditar. Mas, bem, voltemos por um momento para o assunto inicial: eu.
Olhe pra mim, já passei por tanto. Não sobrevivi a terremotos, tsunamis ou furacões. Pelo menos não no sentido literal. Mas sobrevivi a tantas quedas, e não se trata de cair de bicicleta ou tropeçar e machucar o joelho e usar merthiolate na esperança de que não vá arder. Na verdade, ardeu muito. Foram quedas tão grandes que é impossível expressar aqui, em meras palavras. Foram como saltar de um avião, sem paraquedas, e querer pisar em terra firme sem nenhum arranhão. Como subir na montanha russa pensando em viver uma nova aventura e se divertir, mas no fim perceber que ela só desce e nada mais, e parece que não vai parar. Como acordar e descobrir que você pode realizar todos os seus sonhos, mas lembrar que só tem pesadelos. E, não querendo ser desagradável, acho que já deu pra entender o quanto essas quedas machucaram. Machucaram muito, e, não vou mentir, deixaram cicatrizes que talvez sejam pra sempre. Mas sabe o que eu aprendi? Sabe aquela cicatriz na testa do Harry Potter, aquela que o lembra que Voldemort já tentou matá-lo, mas que ele continua vivo? Então, todos temos muitas dessas cicatrizes. E quer saber de outra coisa? O Voldemort do mundo real, que é a própria vida, também fracassou. Ou talvez não tenha fracassado, talvez essa tenha sido a intenção dela: mostrar do que somos capazes, o quanto somos fortes. Aqui estou eu, aqui estamos nós, vivos. Com muitas cicatrizes, é claro, mas vivos.
Pensando bem, é isso aí que eu sou. Uma pessoa comum, cheia de conflitos comuns, cheia de cicatrizes completamente únicas e, claro, comuns. Todos temos nossas cicatrizes particulares, e quer saber? Todos olhamos pra elas todos os dias e nos lembramos que somos sobreviventes e que devemos continuar lutando, assim como lutamos até agora. Afinal, estamos vivos. E se você não se orgulha das suas cicatrizes, amigo, está olhando errado.

Tempestade PoéticaOnde histórias criam vida. Descubra agora