Gabriel ( 4 )

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Já em casa, vou em direção à cozinha para ver se me alimento. Às vezes, gostava de ter uma família normal. Mesmo quando eu vivia com os meus pais, em Trás-os-Montes, nunca senti que tinha uma vida normal. O meu pai passava horas e horas a trabalhar na fábrica de iogurte da minha família, chegava sempre à noite, quando eu já estava a dormir. Quando eu acordava, ele também já não se encontrava em casa.
Eu vivo com a minha tia, com a minha prima, com a minha avó, com o meu tio, com o meu avô e com a minha mãe. A minha tia e a minha mãe não se dão bem; passam a vida a discutir. A minha tia é casada com um brasileiro.
Os meus pais separaram-se porque a minha mãe descobriu que ele a traía. Agora, já não sei se ele estava mesmo a trabalhar quando não estava em casa. Sinto tanta pena da minha mãe. Ela passa horas a fio a chorar.
Não falo com o meu pai desde o dia em que a minha mãe o apanhou com a sua namoradinha no seu escritório. Ele liga-me várias vezes ao dia, mas eu não consigo atender. Ele estragou as nossas vidas, principalmente, a da minha mãe. Ela tornou-se uma mulher dependente de tudo e de todos.
   - Olá, querido - cumprimentou-me a tia Tânia.
   - Oi, tia - respondi.
   - Como é que tu estás ? Como está a tua mãe ?- Continuou.- Tu sabes que apesar de tudo, eu adoro-a e preocupo-me bastante com ela.
   - Eu estou bem, obrigada. E a minha mãe está  igual a ontem, a semana passada e ao mês passado. Já não sei quando é que ela vai recuperar o seu brilho. Eu amo-a e sei que ela está super-magoada, mas, assim ela também me magoa. - confesso.
   - Eu sei, querido, mas não tarda ela volta a ser a mesma de sempre. Tem calma - diz, para me animar.

A minha mãe e a minha tia não se dão bem, porque a minha tia nunca gostou do meu pai e avisou sempre à minha mãe que ele não era tão bom como parecia. A minha mãe, como sempre, defendeu o meu pai até ao último minuto. Antes deste " último minuto", a minha mãe era muito confiante, uma mulher bem-sucedida e até praticava yoga. Agora, eu e ela vivemos em uma casa que nem é nossa, estamos infelizes e sem dinheiro para arranjar uma casa própria.
   - Como correu o trabalho ? - pergunto, com a intenção de esquecer a minha situação.
   - Uma porcaria, ter de aturar crianças não é um papel propriamente fácil. - respondeu.
   - Então, porque é que seguiste esse ramo ?- questionei, intrigado.
   - Desculpa, devo ter parecido uma Bruxa. Eu gosto do meu trabalho, mas, como qualquer um, tem dias maus. A melhor parte do meu trabalho é quando alguma criança me abraça ou me diz o quanto gosta de mim. Isso não tem preço. Em contraste, a pior parte é ser cansativo e não ser bem remunerado. - comentou.
   - Percebi ...- é tudo o que eu respondo.
   - Sabes alguma coisa da tua prima?
   - Não a vejo desde manhã quando fomos para a escola. - explico.
   - Bem, eu vou tomar um duche. - informa.
   - Okay.
   - Quando ela chegar, diz-lhe que precisamos de ter uma conversa, por favor. - pede-me
   - Eu digo - respondo, enquanto ligo a televisão.

  Cerca de dez minutos depois, encontro "A culpa é das estrelas" num canal, e decido assistir até ao final. Ao meio do filme, dou por mim a pensar no que a Cláudia está a fazer. Não é que eu goste dela, mas é a minha única amiga aqui.
   - Hey! - cumprimenta-me a Raquel.
   - Olá, a tua mãe disse-me para te avisar que quer falar contigo. - informo-a.
   - 'Tá bem, menino dos recados. - Apesar de ter sempre vivido cá em Portugal, a Raquel tem o sotaque brasileiro devido à constante convivência com a família do pai ( mesmo que na maior parte das vezes, esta seja online )
   - De nada.
   - Vi-te a falar com a Cláudia. Qual é a sua? Ela é muito esquisita e tem namorado. - Mente.
   - O quê ? - pergunto, parecendo surpreendido.
   - É, ela tem namorado... - Agora começo a preocupar-me.
   Bem que eu estava a ver que tudo estava perfeito, demasiado perfeito. Não podia ser verdade. Será que alguma coisa na minha vida pode dar certo ? Mas estranha ela não é, e tenho de confessar que a minha prima tem um modo de ser complicado; talvez esteja apenas a mentir ou a brincar comigo.
   - Tu não estás a falar a verdade - digo apenas isso.
   - Nunca falei tão a sério- respondeu, partindo-me o coração
   - Conheces a Cláudia desde quando ?- pergunto preocupado
   - Desde os cinco anos. Ela até  já foi minha melhor amiga - assusta-me ainda mais
   - Sério ? Porquê que já não é mais ? - Questiono muito envolvido com a história.
   - Porque ela foi falsa para mim e agora eu não a suporto. - explica.
   - Falsa ? Falsa em que sentido ?
   - No sentido de falar mal de mim aos outros. - diz, totalmente desapontada
   - Tal como tu falavas mal de mim às tuas amigas ? - disparo em resposta
   - Exatamente, mas tem uma diferença...
   - Qual ?
   - A diferença é que eu te amo e ela desprezava-me
   - Estou a ficar extremamente interessando, mas vou tomar um duche.
   - Okay, falamos depois.

Perfeito para mimOnde histórias criam vida. Descubra agora