Gabriel ( 6 )

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    Durante o banho, organizo as minhas ideias na cabeça. Tento pensar apenas que ainda tenho de me inscrever na equipa de futebol da escola e candidatar-me a capitão, mas a Cláudia não sai dos meus pensamentos. A vida seria bem mais fácil se pudéssemos ler os pensamentos das pessoas. Assim, eu poderia saber em quem confiar. Quero acreditar na Cláudia, quero muito conhecê-la melhor, mas por outro lado, quero que a minha prima esteja a falar a verdade, acho que ela não seria tão má a esse ponto. Nós crescemos juntos, e não vejo motivos para ela fazer uma coisa dessas, que me pode magoar.
   A Cláudia pareceu-me uma menina dedicada, uma menina com personalidade, alguém confiável. Mas eu só a conheci hoje... Por outro lado, temos a Raquel, uma menina invejosa, mimada e não muito confiável, mas é minha prima e eu quero acreditar que esteja apenas a tentar ser uma boa prima, preocupando-se comigo.
   Enquanto a água vai escorrendo, quero que leve consigo os meus pensamentos.
   Quando já estou no quarto, pego no meu telemóvel e ligo ao meu pai.
   - Alô, Gabri! - disse.
   - Olá!- respondi
   - Liguei-te todos os dias depois do que tu sabes, mas nunca me atendeste - explicou o meu pai.
   - Ligaste-me todos os dias depois da mãe descobrir que a traias- disse eu, corrigindo-o.
   - Não tornes as coisas mais difíceis do que já são, por favor.- Pediu-me.
   Durante o discurso do meu pai sobre os motivos pelos quais eu deveria continuar a viver em Trás-os-Montes, consigo ouvir do outro lado da linha a voz de uma mulher. Ele está com a outra ? Com aquela?
   - Mas diz-me lá, quanto é que queres que eu te dê? - questionou.
   - Eu não te liguei para pedir dinheiro; liguei para falar contigo, porque decidi dar-te uma segunda oportunidade.- expliquei-lhe.
   - Tu és o meu único filho, um filho que sempre me defendeu e que me amou, mas desiludiste-me quando quiseste ficar do lado da tua mãe- disse o meu pai.
   - A minha mãe ficou sem nada por tua causa. Ainda achas que estás em posição para ser defendido? Por muito tempo, quis tentar não misturar a tua relação com a mãe com a nossa, mas não consegui porque tu estragaste as nossas vida.- rematei em resposta.
   - Tu também não estás em condições de reclamar. Eu, como pai, posso ganhar a tua guarda e voltas, no mesmo dia, para Trás-os-Montes.- retorquiu.
   - Onde é que queres chegar com isso? - perguntei.
   - Quero chegar à parte em que fazes o que eu mando, senão vens viver para Trás-os-Montes. A decisão é tua.
   - Quem és tu e o que fizeste ao meu pai?
   - Eu continuo a ser o teu pai. Apenas cansei-me de estar escondido. Com a Patrícia,eu aprendi que ter uma personalidade forte é essencial. E, por vezes, é preciso ter o punho forte.
   Mas... como é que ele só sabe disso agora ?
   - É incrível o que se pode aprender com gente nova. Não é? - brinquei.
   - Gabriel, eu ainda sou teu pai... - lembrou-me.
   - 'Tá bem, liguei-te para resolvermos as nossas diferenças. Mas, pelo que percebi, não estás disposto a aceitar que estás errado. Quando quiseres conversar, liga-me. Adeus.- Deixei esta frase, como deixa para desligar a chamada.

   Não sei o que me deu para ligar ao meu pai, mas, no fundo, sentia essa necessidade. Sinto tanta falta da minha avó e do meu avô paterno, mas não tem como eu ir à Trás -os-Montes nesta altura do campeonato. Tudo ainda é recente. Tenho de concentrar-me na escola e na equipa de futebol. Já tenho muitas distrações: Cláudia, o meu pai, equipa de futebol da escola e tentar ser capitão de equipa.

   Acabo por enfiar os fones nos ouvidos e relaxar ao ritmo da música.

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   Acordo com o meu alarme programado para as seis e meia. Lavo os dentes e como uma maçã para não correr o risco de começar o dia com uma quebra de glicémia. Os motivos mais fortes das saudades da minha vida antiga são as corridas matinais. Em Trás-os-Montes, eu corria pela aldeia, e agora, eu corro na esteira que fica no meu quarto.
   Concluído o meu exercício matinal, vou tomar um duche e tratar da higiene dental.
   Depois do meu ritual realizado, arrumo os livros na mochila e dirijo-me até à paragem de autocarro.
   O céu está nublado, está chover bastante e a temperatura ronda entre os quinze graus Celsius. Espero, aproximadamente, cinco minutos para a chegada do autocarro. Dentro do transporte, restam apenas três lugares, por isso, concluo que restam apenas três pessoas. A primeira pessoa a entrar depois de mim é uma menina de cabelo muito escuro e de olhos verdes com cerca de um metro e sessenta. Nas costas leva uma guitarra. Por isso, acho que anda no clube de música e dança da escola. O nome desse clube é M&D - music and dance. Se eu não conseguir entrar para a equipa de futebol da escola, candidatar-me-ei para o M&D.
   Na minha escola, é obrigatório a frequentação de um clube. Os clubes disponíveis são : M&D, desportivo ( vôlei, futebol, basquete e ténis ), o das ciências,o matemático e o linguístico (inglês, francês, espanhol e alemão ). Eu vou dar tudo por tudo para entrar no clube desportivo mesmo que não entre para futebol. Ontem, quando conversei com a Cláudia na hora do almoço, ela disse-me que andava no clube linguístico, em alemão.
   A segunda pessoa a entrar no autocarro depois de mim é uma menina de olhos e cabelo claro. Tem o cabelo apanhado, perfeitamente, e ar de ser bailarina. Sem perguntar, senta-se no acento colado ao meu.
   - Podes ao menos tentar disfarçar que não estás a olhar para mim?- Perguntou-me.
   - Eu ? Eu só estava a pensar quanto tempo gastaste para conseguir fazer esse apanhado perfeito -respondi.
   - Cinco minutos. Normalmente, são três, mas hoje tem de estar perfeito por causa das audições.
   - M&D?
   - Bingo!
   - Boa sorte.
   - Obrigada.
   A terceira pessoa a entrar depois de mim é o Matheus. Ele está com um fato de treino com o símbolo da escola. Será que eu também terei um se entrar para o clube desportivo?
   - Olá, Gabriel!
  - Olá, Matheus!

-Vejo que estás bem acompanhado. Não me queres apresentar a tua amiga ?


   Calma, eu nem sequer sei o nome dela. Vou passar uma vergonha enorme.


   - Vanessa. - respondeu ela, sem que eu precisasse de a apresentar.
   - Matheus. - respondeu, puxando a mão da Vanessa de modo a poder beijar as costas da sua mão.
   - Bem, Matheus, acho melhor sentares-te, porque estamos todos à espera de ti - aconselhou a Vanessa e o Matheus obedeceu.
   - És nova na escola?- Acabo por perguntar.
   - Sou, ontem foi o meu primeiro dia de aulas.
   - Mas já conheces alguém na escola?
   - Sim, a minha melhor amiga estuda na escola.
   - Okay.
   - Okay.
   A Cláudia é mais simpática do que a Vanessa, mas a Vanessa pareceu-me mais real. A Cláudia fez-me sentir que foi feita para mim, mas depois apercebi-me de que era um sonho, e agora só resta a tristeza. Talvez a minha forma de pensar seja devido à conversa com a Raquel porque antes disso eu ainda vivia no sonho.

Perfeito para mimOnde histórias criam vida. Descubra agora