Cláudia ( 9 )

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   Estava a sair do laboratório quando a Vanessa veio ter comigo e disse-me que já tínhamos a integrante do grupo que estávamos à procura. Fico feliz por saber que ela ainda quer trabalhar comigo, mas talvez só não tenha outra opção. No entanto, prefiro acreditar na primeira opção. Eu gostava de ter uma amiga da minha idade, já que a minha única amiga é a minha mãe... Ela é ótima, adorável, de confiança e eu amo-a muito, porém eu gostaria de ter alguém da minha idade para conversar. Alguém que gostasse de mim e que me apoiasse em tudo. Porquê que tem de ser tão difícil ? Eu gostava de ser normal, de ser considerada normal. Mas o quê é normal ? Acho que na atualidade o normal é sermos falsos para os nossos amigos, é sermos classificados pelas roupas que usamos e sermos julgados por quem não nos conhece e que não se esforça para isso. Isto é a realidade. Às vezes, gostava de estar noutro tempo, porque o século XXI não é para mim, definitivamente.     

   Pensando bem, eu não quero ser normal, quero ser verdadeira e isso eu já sou. Vou tentar não culpar ninguém pela minha dificuldade de interagir com as pessoas. Foi a primeira coisa que o Patrick disse-me quando eu entrei pela primeira vez no consultório dele, mas eu nunca consegui deixar de pensar como é que seria se eu tivesse um pai. Quando ouço as minhas colegas a falarem do quanto os seus pais conseguem ser irritantes, eu sinto-me mal por não saber como é ter um pai. Mas a partir de hoje eu não quero mais culpar ninguém, vou simplesmente seguir em frente, tenho de o fazer. Se eu ficar presa no passado, não irei conseguir ir para o futuro. Eu não quero que o meu futuro fique comprometido pelas ações dos meus pais, eu não vou permitir isso. Jamais.
   - Acho que nos vamos dar bem - comenta a Vanessa
   - Porquê que achas isso ?
   - Não sei o porquê, mas gosto de ti, miúda.
   Ela gosta de mim ? O que eu fiz para ela gostar de mim ?
   - Eu também gosto de ti - respondi sem ter a certeza do que estava a falar. Quer dizer, eu simpatizei com a miúda, mas conhecia-a há menos de três horas.
   - Eu sei no que tu estás a pensar - afirma a Vanessa.
   - Ai sabes ? - pergunto admirada
   - Eu sei que nós só nos conhecemos há três horas, mas parece que a minha mente está conectada com a tua.
   - Mas em que estou eu a pensar ? - questiono lembrando-a de que estava a fugir ao assunto da conversa.
   - Tu estás a pensar que está tudo a acontecer muito rápido. - responde a Vanessa
   - Sinceramente, eu estava mesmo a pensar nisso.
   - Mas não penses, porque a ligação que tu estabeleces com uma pessoa não tem que ver com o tempo.
   - Talvez tenha.
   - Eu não concordo contigo. Miúda, já ouviste falar em amor à primeira vista ?
   Quando ela menciona << amor à primeira vista >>, penso de imediato no Gabriel. Ela tem razão, a  ligação que nós estabelecemos com alguém não está relacionada com o tempo. Amor não é questão de tempo.
   - Okay, talvez tenhas um pouco de razão - confesso.
   Eu acho que a minha vida está em transformação total e eu estou a gostar de todas estas mudanças. Os anos que eu passei a treinar conversar com o Pipoca serviram para alguma coisa, mas não sei qual. O Patrick dizia-me que quando eu encontrasse as pessoas certas, tudo daria certo, porém eu tinha as minhas dúvidas. Nos últimos três dias ocorreram várias mudanças importantes na minha vida: o meu psicólogo tornou-se meu padrasto, conheci um rapaz e falei durante algumas horas com ele e hoje estou a fazer uma possível amiga.
   Eu ainda não consigo acreditar em todas estas mudanças. Eu estou até a perder a timidez. Mas continuo a ser a Cláudia de sempre, só que agora com atualizações. Tal como o meu telemóvel, fiz uma atualização no software. Tal como em um livro, virei a página. Espero que os próximos capítulos sejam ainda melhores e mais surpreendentes.
    Eu e a Vanessa saímos do pavilhão das ciências, e dirigimo-nos para o de desporto.
   - Que coisas mesmo é que tens de fazer no pavilhão desportivo ? - interpelo eu
   - Tenho de ir ter com um amigo para saber se ele conseguiu entrar para a equipa de futebol da escola.
   - Mas hoje não é o teu primeiro dia ? - pergunto
   - Sim, é, mas eu conheci este miúdo hoje no autocarro e tivemos uma certa química. Entendes ?
   Quando a Vanessa explica a ligação que teve com o miúdo do autocarro, penso na única pessoa com que a minha ligação se aproximou a essa "química" e esta foi o Gabriel. Eu senti que ele era especial.
   - Sim, eu percebo - acabo por responder
  Após três minutos de caminhada, conseguimos observar o edifício desportivo. É enorme. Eu só me lembro de ter cá estado duas vezes e ambas vezes foi para explicar ao professor de educação física o motivo pelo qual não iria participar na sua aula. Eu não sou do tipo de rapariga que goste de fazer desporto, associo-me mais ao tipo que tem sempre uma " carta na manga ".
   - Vanessa, eu sou um bocado tímida, se é que me entendes, então, eu acho que não me vou sentir muito bem com o teu amigo.
   - Tenho a certeza de que qualquer rapariga fica intimidada com ele, se é que me entendes. olha ele - estica o braço e utiliza o dedo indicador para apontar para um rapaz bastante alto - chama-se Gabriel - murmura a Vanessa
Gabriel ? Só pode ser um coincidência, não pode ser o meu Gabriel.
   - Ei, Gabi, olá
   Gabi ? Eu devo ter-me enganado à respeito do Gabriel. Senti-me tão única da maneira como ele olhou para mim. Mas ainda há uma esperança pois pode ser outro Gabriel.
   O Gabriel vira-se e, infelizmente, é o meu Gabriel. Ele parece tão admirado quanto eu. Consigo ver a maneira com que a sua iris dilata, com que a sua sobrancelha se eleva e como o seu queixo cai. Sinto-me muito desiludida porque quando decidi abrir o meu coração para alguém, este alguém simplesmente não valoriza o meu ato. Acreditei em quem não devia e agora acho que continuarei com o meu coração trancado a sete chaves para sempre

Perfeito para mimOnde histórias criam vida. Descubra agora