Cláudia ( 16 )

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   - Pipoca, para - ordenei ao meu cachorro que parasse, tirando a minha mochila carregada de livros da cama. São para estudar nas férias da Páscoa   O Pipoca, como sempre, pressentiu que vamos viajar e já não me larga.
   - Cláudia, chega aqui !! - fui contrariada para o quarto da minha mãe e ouço a água a escorrer do lado da casa de banho, por isso, calculei que o Patrick devia estar a tomar um duche; então, entrei no quarto sem bater à porta.
   - Sim ?
   - Podes pôr isto na tua mala ? - olho para o que a minha mãe tem na mão e apercebo-me que são duas pastas carregadas de maquilhagem. Há coisas que nunca mudam, não é ? Como um poeta deixar de escrever, um empresário deixar de estar apressado, um escritor parar de sonhar com as suas histórias, a corrupção desaparecer no mundo, etc.
   Aceito transportar a sua caríssima maquilhagem, prometendo que irei cuidar dela como sendo a minha vida. Louca!
   - Não vais assim, pois não ? - reclama a minha mãe com aquele olhar de reprovação.
   - Qual é o problema?
   - É por isso que não arranjas namorado. Eu até percebo que não queiras ter, mas, ao menos, põe-te bonita, meu amor. Trata desse cabelo. Pinta, corta, faz algo por ti mesma.
   - Não sejas muito dura com ela, amor. - vejo o Patrick. Meu. Deus. Do. Céu. Ele está apenas de toalha amarrada no tronco. Consigo apreciar os seus perfeitos e tonificados abdominais e as suas trabalhadas pernas. A única coisa que eu consigo imaginar que chegaria aos pés do meu padrasto é o ator que faz o anúncio de lixívia. Que homens !
   - Fecha a boca, querida - sussurra a minha mãe ao meu ouvido. - baixo a cabeça, murmuro qualquer coisa em forma de desculpas e vou para o quarto esconder-me. Não acredito que fiz uma coisa dessas. Quer dizer, eu gostei do que vi, mas só fiquei de boca aberta por estar admirada, não por querer roubar o marido à minha mãe.
                                      *

   Deitei-me no sofá e liguei a Tv. Fiz zapping até achar um canal, onde começaria um filme dentro de dez minutos.
   - o que estás a ver, Clau ? - mesmo sem olhar para trás soube que era o Patrick porque: primeiro, a minha mãe nunca me chama de " Clau"; segundo, a voz do Patrick é grave e rouca, ou seja, muito diferente da da minha mãe; terceiro, o hálito da menta. Não sei o que este homem toma para estar sempre com esse hálito fresco na boca.
   - vai começar um filme qualquer nacional - respondi, fingindo-me normal com a sua presença, apesar de estar desconfortável devido ao "acontecimento" da manhã deste mesmo dia.
   - Júlia, vem assistir um filme connosco.
   - Já vou - respondeu ela, puxando o autoclismo.
                                      *

   Após os dez minutos mais longos da minha vida, o filme começou e a minha postura desconfortável foi substituída por uma mais relaxada. Passámos o filme em silêncio, tirando os comentários do Patrick sobre as semelhanças que eu tinha com o ator principal e o ranger da minha mãe enquanto mordia as unhas. Parecia nervosa como se estivesse a esconder algo. Talvez seja por amanhã conhecer a sogra...
                                      *

   A viagem para à serra mais alta de Portugal continental foi longa e cansativa, mesmo eu tendo adormecido logo no início do percurso. Devido a esse sono todo, quando cheguei ao meu destino, senti-me perdida ao despertar, uma vez que havia uma senhora à frente de mim, de aproximadamente sessenta anos, a chamar-me de neta. Mas só foi quando ela me perguntou se poderia tratar-me por neta é que eu percebi quem era - a mãe do Patrick, a Dona Antónia.
    - Só se a puder tratar de avó também - respondi com um sorriso rasgado, porque, finalmente, apercebi-me de que tinha uma avó (mesmo não sendo de sangue). E foi nesse momento que soube que este fim de semana de pausa das aulas seria incrível e que não teria nem tempo para estudar.

Perfeito para mimOnde histórias criam vida. Descubra agora