Capítulo 06

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Leandro estava planejando outra festa na casa de praia de seus pais. O carnaval estava chegando e ele iria dar uma festa de pré-carnaval. Convidou o ensino médio quase todo e pediu para que confirmassem presença – cerca de 90% confirmou.

As festas de Leandro eram sempre assim: até pessoas de outras escolas ficavam sabendo. Sempre lotada, com muita bebida e sexo. Eu nunca tive a oportunidade de fazer uma festa assim, pois meus pais nunca deixariam. E Leandro tinha sorte de seus pais quase sempre estarem viajando a trabalho, então quase nunca sabiam das festas.

Em menos de uma semana, cerca de três meninas me perguntaram se eu ia mesmo no sábado. Como eu amava aquilo.

– Arranjei duas gatas, uma para você e outra para mim – disse Leandro, enquanto devorávamos o cachorro-quente do Seu Zé.

– Quem?

– Carol Sampaio. Estou de papo com a amiga dela, Juliana, que me disse que Carol quer muito que você vá no sábado. – Como continuei com a feição confusa, ele prosseguiu: – Cara, elas são do segundo ano.

– Ah – falei, relembrando-me de uma das meninas que falaram comigo. – Ela perguntou se eu ia.

– Então sábado já está feito: você e Carol; eu e Juliana. Mas se apresse, pois você vai me ajudar a comprar as coisas.

Passamos em várias lojas de conveniência para comprar as bebidas. Leandro e eu tínhamos identidades falsas, o que facilitava nosso trabalho ilícito. Colocamos caixas e mais caixas no carro de Leandro e o motorista dele dirigia dando-nos palpite de quais bebidas eram as melhores.

Paramos em um beco perto da casa de Leandro para fumarmos maconha. Eu não fazia isso com frequência, mas quando Leandro me dava, eu nunca recusava. Dei a primeira tragada e passei o cigarro para ele.

– Essa festa vai ser insana. Acho que será melhor que a última – disse eu.

Leandro bateu as cinzas do cigarro no chão e me passou.

– Com certeza, cara! É pré-carnaval. E vai estar cheio de mulheres.

Dei um sorriso, mas uma ponta de preocupação me percorreu a espinha.

– O que foi, Raphael? – indagou Leandro, que sempre percebia quando algo estava errado comigo.

Traguei o cigarro mais uma vez, torcendo para assim esquecer os problemas.

– Meu pai vai ficar brigando comigo, como sempre. Da última vez ele até disse que o filho do Marcos está se empenhando muito mais que eu para assumir a empresa.

– Cara, se me permite falar: seu pai é um pé-no-saco. Você é um dos melhores alunos da turma e ainda por cima trabalha! Além do mais, vai estar perto do feriado.

– Diga isso para ele.

– Você quer me ver morto?

Nós dois rimos. O vento apagou o cigarro, mas como já estava no final, Leandro pegou as coisas para bolar outro para acender. Conversar com meu melhor amigo e fumar um às vezes me fazia esquecer esse tipo de coisa. Já me sentia muito mais relaxado.

– Eu acredito que você vai passar no vestibular em uma ótima colocação e ainda vai esfregar para ele – disse Leandro, soprando a fumaça na minha cara.

– Cara, não faça isso! Irei para a empresa depois, não posso chegar com esse cheiro – Tentei afastar a fumaça com as mãos, mas óbvio que o cheiro já estava impregnado em mim antes disso.

– Toma banho lá em casa e eu lhe empresto uma roupa.

Dei uma cutucada no ombro dele.

– Eu queria que todos da escola estivessem aqui para ver essa cena sua: falando coisas motivadoras, sendo legal...

– Se você contar para alguém, é um homem morto – interrompeu-me ele, fazendo-nos cair na risada. O cigarro já estava na metade. – Você não vai acreditar no que as meninas fizeram.

– O quê? – Ri da forma como ele disse aquilo exaltadamente.

– Decidiram convidar Alice para ir à festa, mas escuta a melhor parte: disseram que a tradição daqui era ir para pré-carnavais fantasiada.

– De quem foi a ideia? Coitada.

– Juliana e Carol. Cara, mas é óbvio que Alice não vai. Fizeram só para zoar mesmo.

– Essas meninas são loucas. – Mesmo sendo errado, eu sorri. Em parte, porque seria realmente engraçado se ela aparecesse fantasiada. Não dei importância para a brincadeira de mau gosto, já que Alice jamais iria a uma festa de Leandro. A garota era antissocial demais. O outro motivo para eu sorrir era por que não queria que Leandro ficasse desconfiado de algo.

Não que tivesse algo para desconfiar, mas ele já havia achado estranho eu não ter mencionado que Alice estava morando no meu prédio. Àquela altura do campeonato, qualquer coisa daquela garota me fazia ficar desconfiado e a última coisa que eu queria era meu melhor amigo me enchendo de perguntas.

Quanto a minha tentativa de desvendá-la, ia de mal a pior. Eu não a olhei mais no metrô, nem cruzava com ela no prédio. Apenas nos olhávamos na sala de aula (onde ela ignorava a todos e sentava isolada) e no intervalo. Vez ou outra, eu tentava algum contato, como sorrir ao vê-la de longe, mas ela ignorava. Boatos continuavam circulando sobre ela e o mais novo deles era que um garoto da faculdade – vangloriado pelas meninas – chamou Alice para sair e ela disse um não bem determinado.

– Vamos levar as bebidas para minha casa e botar para gelar – Leandro jogou a ponta de cigarro no chão e depois pisou.

Voltamos para o carro, Leandro deu um maço de cigarro para o motorista não falar nada para seus pais e seguimos para mansão. Nós três descemos com caixas e caixas de bebidas e pusemos nos vários freezers da casa. Foi um trabalho cansativo. Quando terminamos, eu estava fedendo a maconha e suor. Precisaria mesmo de um banho e de novas roupas.

Como Leandro era mais alto e mais forte do que eu, a camisa e a calça ficaram folgadas, mas era melhor do que eu chegar no trabalho fedendo.

O motorista de Leandro, gentilmente, deixou-me na Lodge Engenharia. Ainda bem que o meu pai estava ocupado demais para perceber o meu atraso e, como todos ali gostavam de mim, ninguém iria contar.

Naquele dia, não havia muita coisa a fazer, uma vez que a construção do shopping ainda não podia começar visto que a empresa ainda não apresentara o projeto final. Meu pai e os demais estavam trabalhando dia e noite nisso.

Eu estava em minha mesa estudando para matemática quando vi Martha conduzindo um homem que eu nunca havia visto à sala do meu pai. Ele sempre recebia muitos investidores em seu escritório, porém a maioria eu já conhecia. O homem que adentrara usava terno, gravata e carregava uma maleta na mão. Era alto e moreno.

– Psiu – sussurrei para Martha assim que ela fechou a porta do escritório. Ela veio em minha direção, relutante. – Quem era esse?

Ela encolheu os ombros e hesitou. Sua expressão era típica de quem estava escondendo algo.

– Qual é! – reclamei, quase implorando.

– Você sabe que não me meto nos negócios do seu pai. Sou apenas secretária – Ela deu de ombros.

Decidi mudar de estratégia.

– Você está me deixando preocupado – murmurei, mas ela continuou hesitante e certamente não iria falar nada. – Devo perguntar algo a minha mãe?

Ela revirou os olhos e sua expressão fechou, unindo as sobrancelhas.

– Eu não sei quem ele é. Adentrou a empresa alegando que tinha uma reunião com seu pai.

Cerrei os olhos, instigante, mas ela deu de ombros mais uma vez e me deu as costas.

Estranho, pensei.

Certamente ela não devia saber de muita coisa, mas a forma como ela agiu foi um tanto estranha. Eu quis escutar pela porta, mas todos daquela sala iriam ficar me olhando com cara estranha. Fuzilei Martha com o olhar assim que ela se sentou e me fitou, mas ignorou-me e voltou ao trabalho.

Deixe-me entrar, AliceOnde histórias criam vida. Descubra agora