Capítulo 11

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No domingo, Leandro apareceu na minha casa, muito zangado por eu ter ido embora cedo da festa sem explicações. Contei a ele o motivo da minha saída – a brincadeira de mau gosto de Carol – até o momento em que Alice e eu ficamos presos no elevador. Contei que eu havia ficado muito zangado com Carol, mas que estava mais zangado ainda com Alice.

– Leandro, eu fui atrás dela porque sabia que ela estava mal com aquilo tudo e ela me tratou como se eu fosse inútil! Essa garota tem que parar de tratar as pessoas assim!

Estávamos em meu quarto; eu deitado na cama olhando para o teto e Leandro em pé tentando equilibrar uma bola de basquete na ponta do indicador. Ao me ouvir, ele parou de brincar com a bola e deixou-a embaixo do braço.

– Cara – ele disse com os olhos arregalados –, você está muito ferrado.

Uni as sobrancelhas, confuso.

– Por quê?

– Porque você está caidinho por ela! – Ele jogou a bola em minha direção e, se eu não tivesse sido rápido, teria acertado meu nariz.

Meu primeiro impulso foi rir alto.

– Não estou "caidinho" por ela – falei, fazendo aspas com os dedos.

– Raphael – Leandro disse calmamente, enquanto sentava na ponta da cama para fitar-me nos olhos –, você só fala dela o tempo todo! Deixa isso para lá, cara! Se ela trata as pessoas assim, o problema é dela. Ela não parece se importar em ser a esquisita.

Durante todo aquele mês que havia se passado, ela continuava sem falar com ninguém. As pessoas insistiam em fazer brincadeira de mau gosto, mas ela permanecia indiferente. Certo dia, uns meninos do 2° ano colocaram tinta no banco em que Alice costumava sentar no intervalo. Suja de tinta, ela procurou a direção da escola, deram-lhe outra calça e os meninos foram punidos. Enquanto todos riram, inclusive eu, ela agia como se nada tivesse acontecido.

A indiferença – uma das qualidades que posteriormente passei a admirar muito em Alice. Eu admirava pessoas assim: que, em meio a uma tempestade, conseguiam manter tudo sob controle, sem desesperos. Eu não sabia ser assim, pois sempre tive as emoções muito fortes. Mas, naquela época, essa característica de Alice me incomodava – eu queria que ela me notasse e me desejasse, só não sabia como.

O fato é que Alice se importava, sim, em ser ou não uma esquisita. A única pessoa que sabia sobre essa revelação era eu, por conta da noite anterior. Refleti sobre o que Leandro falou: por que eu me importava com aquilo? É óbvio que eu neguei até a morte e quase bati em Leandro com a bola, mas ele passou o dia inteiro me importunando com isso. Quando fomos jogar basquete na quadra do prédio, a cada cesta que eu fazia, ele mandava beijinho para mim e dizia: "Está inspirado hoje porque saiu ontem com Alice!". Ou então: "Já pensou se Alice aparecesse aqui e te olhasse sem camisa? Ia ser muito engraçado, porque você ia morrer de vergonha!".

Joguei a bola mirando o nariz dele, mas infelizmente ele segurou antes. Não cogitei contar para ele que eu já havia ficado sem camisa na frente dela – ele não ia me deixar em paz.

Até parece que Alice ia aparecer ali – aparentemente, o único lugar que ela frequentava era a escola.

Como se eu gostasse dela. Eu só gostava de sua presença e sentia vontade de ficar com ela, mas só. Aposto que todos os meninos queriam a mesma coisa que eu. Exceto pelo fato de eu ser o único a conhecer o outro lado dela. Mas isso não significava que eu estava gostando dela.

– Leandro, os pais dela não sabem que ela está aqui. Que porra é essa? – perguntei, indignado. Estávamos sentados no chão da quadra de basquete após uma partida acirrada, na qual Leandro me venceu de 54x47.

– Por que você não pergunta a ela?

– Já perguntei.

– E aí?

– Ela mandou eu cuidar da minha vida.

– É o que você devia fazer – Ele riu. – Mas se isso lhe incomoda tanto, vá ao apartamento dela agora.

– O quê? – Eu olhei para ele como se aquela fosse a ideia mais absurda que ele já tivera. – Eu não vou ao apartamento dela, pois ela não pode achar que é o centro das atenções. – E eu havia decidido que ia ignorá-la.

– Raphael, se você espera que Alice vá até você, você vai morrer esperando. Vá lá. Eu espero aqui.

Balancei a cabeça.

– Eu não vou lá.

Leandro arqueou uma sobrancelha para mim e sorriu.

– Está com medinho de levar outro fora?

– Eu nunca levei um fora dela – tratei de dizer o mais rápido possível.

– Então vá lá! O máximo que pode acontecer é ela fechar a porta na sua cara.

– Você ama ver a minha desgraça, não é?

Ele continuou sorrindo.

– É o meu hobby preferido.

Joguei a bola nele e dessa vez acertou seu peito. Ele jogou de volta, mas meu reflexo foi mais rápido.

– Você está zangado porque está doido para ir!

Revirei os olhos. Eu odiava fazer as coisas sob pressão porque me sentia mais nervoso ainda. No fim, eu fui. Em parte, porque estava com vontade mesmo de ir lá (só não admiti isso em voz alta para não parecer real), apesar de ter dito que ia ignorá-la – o que de fato era para eu ter feito.

Leandro ficou me esperando na quadra enquanto eu subia as escadas até o 8° andar (sim, o elevador ainda estava em manutenção). Subir oito lances de escada não era fácil, ainda mais quando se já está cansado de jogar basquete, então eu cheguei lá com a respiração pesada e pingando de suor. Vesti minha camisa e relutei várias vezes antes de tocar a campainha. Ensaiei o que ia falar por cerca de uns cinco minutos, em uma tentativa em vão de chamar a atenção dela.

Eu estava com o corpo inteiramente suado, a camisa encharcada, e ainda respirava com dificuldade. Somente quando recuperei o fôlego, toquei a campainha.

Alice não demorou a aparecer e, pela primeira vez na vida, pude vê-la exibindo as pernas. Ela estava usando um short jeans e uma blusa azul, porém seu cabelo continuava preso em um coque.

– Raphael. – pronunciou ela, enquanto segurava a porta aberta. Não sorriu e nem exibiu surpresa – parecia que era algo de se esperar.

Foi a primeira vez que a ouvi pronunciar meu nome. Ela falou calma e lentamente.

– Andou se exercitando? – perguntou ela, levantando uma sobrancelha loira escura.

Eu já devia saber que minha aparência a assustaria.

– Estava jogando basquete e, sabe como é, o elevador não está funcionando – disse, passando a mão na testa. Podia sentir meu rosto inteiro esquentar.

– Sua camisa está molhada de suor – julgou.

– Quer que eu tire? – perguntei com um sorriso malicioso.

Ela revirou os olhos e suspirou. Parecia em busca de paciência.

– O que veio fazer aqui? – ela perguntou com um tom desconfiado.

– Não vai me convidar para entrar? – A falta de educação dela me impressionava.

Alice me olhou com desdém.

– Depende do tempo que você vai ficar.

Dei uma olhada rápida no local pela abertura da porta. Por um momento, confesso ter pensado que o apartamento dela era algo de gente maluca, com algum ritual satânico rolando por lá e essas coisas. Mas era... normal. E arrumado, para quem morava sozinha. Havia um piano no canto da sala e a imagem de Alice tocando era um tanto cômica.

– Eu só quero conversar com você – murmurei.

Ela cerrou os olhos e passou a mão no coque mal feito. Suspirou pesado e, quando achei que fosse me mandar dar o fora dali, disse:

– Entra.

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Deixe-me entrar, AliceOnde histórias criam vida. Descubra agora