Capítulo 05

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Minha missão de aproximar-me da novata estranha não ia muito bem. Nunca mais tinha visto ela no metrô (provavelmente voltara a andar de ônibus) nem no elevador. Só a olhava na escola e, apesar de ela estar sempre sozinha, eu nunca tomava coragem de me aproximar, uma vez que todos os meus amigos iriam ver a minha derrota e zombar de mim eternamente.

Sozinho em meu quarto na semana seguinte, disse para a minha imagem no espelho:

– Quer saber? Foda-se! O que eu tenho a ver com isso? Se a menina quer ser antissocial, que seja. Por que estou me importando com isso?

Levei um susto com duas batidas na porta, seguidas da minha mãe entrando no quarto, sorrindo de mim.

– Falando sozinho, campeão?

– Pensando alto – corrigi, acompanhando-a no sorriso.

– Não vem jantar conosco?

– Claro.

– Já está na mesa.

Quando ela ia saindo do quarto, chamei-a novamente.

– Ei, mãe.

Ela se virou.

– Sim?

– Você ouviu falar da estrangeira que está morando aqui no prédio?

Ela revirou os olhos, como se já soubesse o que eu iria dizer.

– Vai me dizer que "pegou ela" também? – Mamãe fez aspas no ar com os dedos ao falar as palavras. – Não é assim que vocês falam hoje em dia?

– Não – disse em minha defesa. – Ela está estudando lá na escola e é até bonita, mas não fala com ninguém.

– Ouvi comentários sobre ela aqui no prédio. O que foi? Ela te deu um fora? – Mamãe riu alto.

– Claro que não – respondi, ofendido, embora soubesse que foi quase um fora.

– Nem todas as garotas são iguais, Raphael. E ela se mudou recentemente, deve ser tímida.

– Eu também pensei isso, mas, mãe, ela não fala com ninguém. No entanto, outro dia falou comigo e ficou feliz ao saber que eu gosto da mesma banda que ela. Depois disso, me trata como se nunca tivéssemos nos falado.

Mamãe me olhou com desdém.

– E não é isso que você faz com as garotas?

...

No dia seguinte, quando entrei no metrô, lá estava Alice: sentada em um banco com as roupas simples e olhando distraída para a janela.

– Bom dia – disse eu ao sentar em um banco ao seu lado.

Ela não se deu o trabalho de virar para me ver, mas esboçou aquele sorriso do elevador. Um silêncio nos cercou, enquanto seguíamos para outra estação.

Insisti:

– Nunca mais tinha visto você no metrô.

– Tenho saído de casa mais cedo.

Ela continuou sem se virar. Percebi que seu sotaque havia melhorado – agora, pronunciava as palavras um pouco mais depressa. Perguntei-me como ela havia conseguido isso, pois quase não abria a boca.

– Quer ouvir Lambchop? – Estendi-lhe o walkman.

Ela apenas olhou pelo canto do olho e disse:

– Não.

Geralmente, quando alguém recusa a oferta do outro, diz: Não, obrigada. Mas aquele não de Alice havia sido simples, curto e grosso. Depois dessa, resolvi ficar calado. Pouco se sabia sobre Alice – havia especulações sobre ela ter vindo fazer intercâmbio; já outros diziam que ela viera para morar, absolutamente sozinha. Tanto quanto ela era estranha, havia algo de estranho nessa história.

Eu sempre morei naquele prédio desde que nasci e não sabia de ninguém que havia aberto apartamento para intercâmbio; no entanto, acho que já havia ouvido falar sobre algum estar à venda. A novata devia ser rica, pois nem todo mundo podia bancar aquela escola e o prédio sem ter uma condição boa. Mas o que ela veio fazer aqui? E logo sozinha?

Esses eram assuntos tratados todos os dias, por todos, na escola. Parecia que ninguém tinha nada mais interessante para falar, a não ser sobre aquela garota estúpida. Todas as minhas amigas diziam: "Gente, essa cor de cabelo não pode ser natural! E esse corpo? Por que eu não tenho o bronzeado dela?". Os rapazes, principalmente, não paravam de falar no quão gostosa ela era e nas coisas que fariam se pudessem levá-la para cama.

Ninguém parava de falar em Alice – no intervalo, na saída, até em meu próprio prédio. Certo dia, umas amigas da minha mãe foram lá em casa e mamãe comentou que havia uma americana morando no prédio. Mamãe contou – muito indignada – que havia cumprimentado Alice no corredor e ela passou reto, como se não fosse nem com ela.

Eu aproveitei para dizer:

– Essa garota se acha! Na escola não fala com ninguém. Mal-educada.

Mamãe ainda estava com aquela ideia na cabeça de que eu havia levado um fora, então ela e as amigas riram muito da minha desgraça.

A grande verdade era que eu não aguentava mais ouvir o nome de Alice Drummond. Todos pareciam extremamente interessados nela como se fosse uma figura pública muito importante. Todos deviam ignorá-la da mesma forma como ela fazia.

O fato é que o ser humano se sente extremamente atraído pelo mistério, por coisas que não podem ter ou não conseguem desvendar. Como se fossem ímãs, as pessoas que nos ignoram nos tornam cada vez mais fisgados. E, embora eu não demonstrasse para ninguém ainda, era assim que eu me sentia em relação a Alice. Aquilo me frustrava. Eu queria entender por que ela era assim, por que ela não demonstrava interesse por ninguém quando todos estavam interessados nela e o que fez com que ela saísse dos Estados Unidos para se tornar uma estranha no Brasil.

Quanto mais ela se mostrava indiferente diante de tudo, mais desejo eu tinha por ela. Era inevitável não perceber a marquinha do biquíni por baixo de sua blusa, o modo como ela ficava zangada quando uma mecha loira de cabelo caía na frente dos seus olhos, seu jeito quieto de prestar atenção às aulas, seu sorriso...

Bem, seu sorriso. Até aquele momento eu só havia visto uma vez no elevador e no metrô. O jeito como ela ficou impressionada quando descobriu que gostávamos da mesma banda e a forma como seus olhos azuis brilharam.

Eu não gostava de desvendar as pessoas – sempre gostei de adquirir tudo fácil, o que quer que fosse. Não gostava de dificuldades, nem tampouco de garotas assim. Mas eu queria desvendar Alice, saber o que a tornou assim. Aquela garota feliz no elevador demonstrou que ela não era de fato um bicho de sete cabeças. Precisava apenas de alguém para confiar.

Eu estava me odiando por ter esses pensamentos de querer entendê-la e protegê-la. Não entendia o que estava passando pela minha cabeça e cada dia que se passava, com mais raiva eu ficava.

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