Risadas e torradas queimadas

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O corvo foi a primeira coisa que Rosie viu quando abriu os olhos.

Primeiro, ela gritou. Alto o suficiente para que o pássaro voasse para longe da cama, ficando na cômoda do outro lado do quarto. Os cabelos desgrenhados da mulher entregavam o susto bem dado.

A risada do corvo ecoou pelo recinto.

— Você se assusta tão fácil, e não tem nenhuma proteção enquanto dorme. Ainda bem que eu estou aqui, sabia?

Céus, ela nunca iria se acostumar com aquilo. Fosse aquela merda real ou não. Chutou os lençóis, abrindo as janelas rapidamente, permitindo que os fios de luz reluzente como ouro entrassem no ambiente; a presença do corvo completamente ignorada. Pelo menos até aquele momento.

Abriu as gavetas da cômoda, o corvo empoleirado a observava tirar as peças com rapidez.

— Hoje está frio. Recomendaria algo mais quente do que shorts finos para correr.

Rosie revirou os olhos — talvez para o nada, talvez para tudo. Ela não sabia mais.

— É porque eu vou correr, enxerido — Arrumou a cama, tomando o cuidado de sempre ter o pássaro no seu campo de visão. Nunca se sabe quando alguém pode lhe atacar pelas costas. Especialmente um corvo falante. — Você não tem nada melhor pra fazer? Sabe... Atormentar alguém que não seja eu, e sim outra pessoa em estado depressivo e que possa precisar de suas ajudas e piadas mágicas.

Deixou o quarto, sentindo o corvo rodeando sua mente, com um lampejo de risada.

Sua mente é tão fácil de entrar, querida. Devia ter algumas proteções quanto a isso também. A voz era profunda e baixa, como se estivesse no andar de baixo da sua mente. É porque você não me aceitou por completo ainda. Quando aceitar, vou ficar mais audível.

Tentou não se arrepiar com o fato de que ele conseguia ler os seus pensamentos. Saber o que ela estava pensando. Mas... era óbvio que ele conseguia. Era tudo fruto da sua imaginação fértil por ler tantos livros de fantasia e assistir tanto Mundo Sombrio de Sabrina.

De todo modo, não saberia dizer o que seria mais bizarro: Um gato falante ou um corvo.

Não queria nenhum dos dois, pra falar a verdade.

— Você perturba muita as pessoas com essa sua voz e papos irritantes? Já sinto uma dor de cabeça chegando...

Uma risada leve, baixa e virtuosa ecoou.

Não era você que achava a minha voz tão sensual e profunda?

Ela abriu a porta do banheiro, sentindo o ar frio atingir até os ossos. Um banho naquela água faria seu sangue congelar, e ela morreria com uma voz doida e que fazia piadas na cabeça. Havia maneiras melhores de morrer, pensou.

Rosie suspirou, adentrando o banheiro para trocar de roupa.

— Espero que você não consiga me ver também. Não que uma alucinação sinta qualquer coisa.

Ah, Rosie Kinkle, você não faz ideia...

Enquanto se trocava e escovava os dentes, a voz e presença sumiu. Privacidade, então. Merecia isso após ter tido alguém ecoando na sua mente. Um lampejo de diversão e sarcasmo puxou-a pela mente, e ela se permitiu sorrir enquanto descia as escadas.

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Rosie não se lembrava da última vez que tinha saído de manhã cedo desde que fora “afastada” do centro acadêmico. Parecia uma vida. Não apenas da universidade, dos tempos com Nicholas.

Rosie Kinkle - Nada Será Como AntesOnde histórias criam vida. Descubra agora