Bruxelas, igrejas góticas e perseguições

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Viajar no espaço era loucura. Principalmente com um corvo saltando em um vazio de fumaça e vento.

Quando Sebastian realizou o salto, Rosie viu a sua realidade ser espremida e esticada diversas vezes em um borrão cinzento, rápido e sem foco diante do olhar. Sentiu o chão sumir aos seus pés, mas a sensação de apoio não lhe sumira por completo: Sentia uma força descomunal vinda de Sebastian, como se ele segurasse os dois por aquela corrente escura e ininterrupta. Uma âncora.

Em um piscar de olhos, com a luz, cores e sons atingindo-a, soube que haviam chegado. Rosie cambaleou, batendo as costas diretamente em algo duro e concreto: uma parede. Lentamente, sua visão se ajustou.

Estava em uma construção enorme, o teto cheio de abóbadas recheadas de pinturas, ornamentos e símbolos religiosos. Uma igreja. À frente, uma escada se estendia, em piso de mármore branco e preto. Logo ao lado, o altar. Rosie estava logo atrás do altar, em um corredor pequeno que dava acesso a portas de madeira escura de ambos os lados.

— Sebastian? Onde estamos? — A voz de Rosie se expandiu em um eco pelo teto, que subia pontualmente em pedra cinzenta.

Saint Michel et Gudula. Uma das principais igrejas de Bruxelas, querida.

Ela procurou por Sebastian, então percebeu que ele estava na sua forma invisível. Permitiu respirar suavemente, absorvendo o que acontecera. Viajara. Saltara.

Isso deveria ser impossível, argumentou pelo laço enquanto pegava a mala em mãos, descendo as escadas da igreja que ela reparou estar vazia.

Errado. Você precisa ir. Rápido.

Uma sombra acentuou a visão de Rosie. Ela virou o rosto apressadamente. As cortinas se moviam em agonia, cobrindo as janelas. Não tinha visão do que estava logo atrás das colunas de mármore, muito menos das portas do corredor. Apressou o passo em direção à porta.

Você não está sozinha. Já a estão procurando. Precisa sair daqui o mais rápido possível.

Quem?

Rosie desceu as escadas, o som dos saltos ecoando pelo espaço gigante que a cercava. Seu coração batia rápido. Sebastian não a avisara de possíveis “problemas” logo na sua chegada. Aquilo era completamente inesperado e novo.

As laterais da igreja eram compostas de enormes cadeiras de madeira, como qualquer outra. Mesmo à luz do dia, a construção gótica irradiava as sombras, deixando o cenário ainda mais macabro. Rosie se perguntou como alguém frequentava um espaço tão bonito no escuro...

A porta era uma réplica maior das janelas, e permitia a visão perfeita da rua e pessoas. Rosie caminhou depressa, as rodas das malas gritando atrás de si. Os cabelos voavam em movimento junto do casaco escuro, que a aquecia e lhe dava segurança.

Estava quase chegando na entrada. Iria dar certo. Nada poderia dar errado. Conseguiria sair dali...

— Ora, ora... O que nós temos aqui? — A voz masculina surgiu atrás dela, que se virou em um instante.

Era um homem de estatura alta, os fios castanhos reluziam à fonte de luz que surgia logo acima de sua cabeça, como um ser transcendental. Se estivesse em outra ocasião, acharia que aquilo poderia se tornar uma pintura magnífica. No momento, assemelhava-se a um pesadelo. Ele estava vestido como um frade, com um pedaço de madeira em formato de cruz em mãos.

O coração de Rosie deu um salto. Precisava sair, tinha que sair. Estava tão perto...

— O que você quer? — Perguntou, nervosa.

Rosie Kinkle - Nada Será Como AntesOnde histórias criam vida. Descubra agora