Deformações sombrias e grimórios de madeira

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Rosie bufou, largando a caneta vermelha sobre as provas que passara a tarde toda corrigindo. Ainda havia uma pilha de papéis, textos e dissertações a serem lidos e corrigidos. Mesmo afastada da universidade, ainda tinha pendências pro resto do semestre. Precisava adiantar tudo antes da sua viagem com Sebastian.

Sorriu. Ainda não parecia que aquilo iria mesmo acontecer. Que aquilo estava acontecendo. Ela falava com um corvo, que a respondia como qualquer outro humano. Conseguia fazer feitiços — pelo menos um, até agora —, e tinha tido contato com gatos falantes. Se ainda estivesse desacreditada sobre tudo isso, e ido ao psicólogo, provavelmente seria internada no mesmo dia. Não é um caso muito comum na sociedade, convenhamos.

Agrupou os papéis em uma pilha, abrindo a cortina em seguida, desligando a luz branca do quarto, e deixando que o luar e as luzes coloridas da rua entrassem pelo recinto.

Sebastian estava na cama, completamente distraído com alguma revista em quadrinhos que tinha aparecido magicamente na sua frente, e que se sustentava no ar sozinha, e virava as páginas sozinha. Completamente normal.

Rosie se jogou na cama, fazendo Sebastian tombar para a frente. Riu, esticando o corpo. Céus, estava exausta. Ela fitou a pilha de papéis, virando para Sebastian em seguida.

— Por que ainda não posso simplesmente fazer todos os papéis se corrigirem sozinhos? — Ela pensou por um instante, buscando alguma referência — Tipo como em Sabrina, a Aprendiz de Feiticeira. Por que não posso ser igual ela?

Sebastian revirou os olhos, fazendo um gesto com a asa direita que fez a revista sumir, e em seu lugar, cair um grosso grimório na cama. A capa era vermelha, grossa e parecia de madeira velha. Rosie arregalou os olhos.

— Tem um feitiço pra isso aí? — Ela fez menção de tocar o grimório, mas Sebastian a interrompeu.

— Ainda não, querida. Existe, sim, um feitiço para o que você quer. Um feitiço para tudo, na verdade. Mas... você ainda não é uma bruxa completa.

Rosie cerrou as sobrancelhas, colocando uma mecha de cabelo avoado atrás da orelha.

— Como assim? Eu já realizei um feitiço. Por que não posso ser capaz de fazer outras coisas simples?

— A magia tem um preço. Quando você realizou o feitiço em Nicholas, fez uso da energia da lua e das sombras. Canalizou o calor e o vento em poder, e tudo aconteceu. Você não pode fazer magia do nada. A não ser que você seja, realmente, poderosa ao extremo — O grimório se abriu, e Rosie soube que era Sebastian fazendo aquilo, com algum poder invisível. — Apenas uma bruxa conseguiu ser assim, e, infelizmente, você não irá conhecê-la.

— Por que não? E como você acabou de abrir esse livro sem nenhum feitiço?

Sebastian revirou os olhos, sorrindo sarcasticamente.

— Eu sou diferente, querida. E, abrir um livro não é nada. Não precisamos dar nada em troca ou fazer um ritual para fazer uma música tocar, um livro flutuar, ou atravessar para algum lugar. São coisas básicas — Os olhos dourados de Sebastian brilharam. — Só precisamos dizer algumas palavras, e tudo está feito.

Rosie hesitou. Queria aquilo. Quanto mais conhecia, mais se sentia atraída, como em uma dança hipnotizante, na qual ela apenas seguia o ritmo e as coisas que lhe oferecidas. Mas ela sentia, no seu âmago, que tinha controle. Podia escolher o que fazer com seu... poder. Era livre.

Fitou Sebastian, alternando o olhar para ele e o grimório, antigo e sombrio.

— Quero que me ensine tudo que sabe. Cada coisinha. Aliás, não podemos viajar para fazermos o que você quer, sem que eu conheça algumas coisas direito, certo?

Rosie Kinkle - Nada Será Como AntesOnde histórias criam vida. Descubra agora