Café e irmãos drogados

381 88 102
                                    

O resto da semana se passou como chuva em um córrego. Rosie passava o dia inteiro digitando, revisando, checando, abrindo e fechando o arquivo diversas vezes, conferindo se não faltava nada pra acrescentar ou tirar.

A presença do corvo era como uma lareira quente em meio ao inverno gélido na sua mente, reconfortando-a nos momentos em que ela tirava os olhos do notebook — fosse Sebastian real ou não.

Ainda era extremamente difícil e aterrorizante tratá-lo pelo nome que ele dizia ter. Pelo nome que ela inventara, se fosse alguma pegadinha mental. De todo modo, Sebastian se mostrava um pássaro e uma presença irredutível, sarcástica e enxerida.

Porém, durante o resto do tempo em que passou frente ao laptop, o que ele dissera não parava de rodar a sua mente. Você não está sozinha. Depois daquilo, um peso fora tirado de seus ombros, como se ela carregasse uma montanha sobre eles. Não duvidaria.

Pediu um total de 5 pizzas, que a manteve viva enquanto se estressava apagando coisas, e rindo das piadas idiotas e canalhas do seu devaneio mental.

Abotoava o casaco cinza de lã e que ia até a base das panturrilhas quando Sebastian disse, por meio daquele laço que eles tinham: Acho que deixar os cabelos soltos seria o ideal. Passa um ar mais confortável e menos desesperado.

Canalha. Vai me dizer como usar o cabelo agora?

Uma risada ecoou pelo laço.

Ele havia explicado essa parte dois dias antes, quando ela perguntou se poderia cortar ele com uma tesoura e fritar no microondas. Sobre o quê exatamente os ligava, além de serem a mesma mente, apenas buscando uma distração psicológica dos problemas atuais.

Segundo Sebastian, a pequena cicatriz no braço esquerdo dela era o que os ligava. Como uma tatuagem, que era marcada por um fio invisível que conectava a mente dos dois, e, às vezes, em alguns casos, o corpo.

— Como assim corpo? — perguntara Rosie.

O corvo dera de ombros.

— Em casos de perigo ou por simples capricho, algumas iniciantes ou bruxas, de fato, podem fazer uso da visão noturna, cheiro, e até mesmo voar.

— E você já viu essas coisas acontecerem?

Um sorriso estampou aquele rosto.

— Ainda não.

E, segundo Sebastian, aquele fio era irreparável. Mas Rosie decidia quando chamá-lo, e se queria ver ou não ele. O que era bom, já que ela definitivamente não precisaria de uma voz irritante dizendo piadas e dando opinião alheia enquanto ela tomava café com a sua orientadora.

Resolveu deixar o cabelo solto, mas levou uma liga de couro na mão apenas por precaução. Se iria ouvir os conselhos daquela coisa, faria do seu próprio modo. Desceu as escadas com pressa, o estampido do tamanco ecoando pela escada de madeira branca. Aquela era uma manhã agradável. O sol se escondia entre as nuvens brancas como um lago congelado. O clima perfeito para conversar e tomar um café quentinho.

Rosie apontou para o corvo enquanto pegava a bolsa e o notebook do sofá.

— Você fica aqui, entendeu? Não quero que apareça de surpresa na minha frente, e muito menos na minha cabeça — Sebastian abriu o bico para protestar, mas ela dispensou o comentário com um gesto de mão. — Conversamos sobre o que você deseja quando eu voltar. E aí vemos o que eu planejo fazer com você.

— Boa sorte no café — a voz profunda salpicada de diversão.

Rosie não havia contado que iria tomar café.

Rosie Kinkle - Nada Será Como AntesOnde histórias criam vida. Descubra agora