Capítulo 17: Klaus

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Esperança não era uma cidade de chuvas constantes, mas quando chovia valia por um mês inteiro. Estávamos naquela época do ano em que a chuva poderia ser cruel e certeira. Era sempre um risco enfrentar uma estrada, e os bombeiros trabalhavam em turnos dobrados. E se o tempo atingisse a antiga estação de energia, era falta de luz na certa. E foi exatamente o que aconteceu naquela sexta quando meu relógio bateu nove da noite e eu tinha acabado de sentar para estudar uma partitura nova.

— Porra!

Meu pai gritou do andar de baixo. Ele passou a semana inteira falando desse jogo que aconteceria hoje à noite. Até trocou o turno com Charles para que pudesse assistir em casa, tomando cerveja e com o pé em cima da mesa de centro. Ele fez aperitivos para isso. Vocês acreditam nisso? Meu pai não cozinhava um ovo, mas quando tinha jogo baixava a Ana Maria Braga nele. O velho tinha um caso raro de demência compulsiva por repetição. Claro que esse diagnóstico não existia, mas todas as vezes que ele insistia em preparar batata frita e bife acebolado e acabava a noite com salgadinho de saco, eu dizia que esse era justamente o problema dele.

Desci as escadas já sabendo que iria ouvir toda a lamúria do delegado, mas eu estava preparado para isso, afinal de contas minha semana tinha sido terrível.

Depois de ter ido à igreja e ter visto Lorena surtar com a professora, eu tinha colocado na cabeça duas coisas importantes sobre minha rival. A primeira era que ela era muito mais louca do que imaginava. A segunda é que tinha alguma coisa de muito errado com a família dela. Isso não deveria me incomodar, eu sei, mas incomodava muito. Era como se ela amasse o pai e o odiasse ao mesmo tempo. Era assustador ver como seus olhos ficavam exaltados quando o assunto era o pastor. E foi quando ele começou a falar sobre homossexuais, que eu simplesmente quis ir até onde Lorena estava, tira-la de lá e dizer para o pai dela que ele era um idiota. Queria defende-la como ela fez comigo e a professora. Sabia que a intenção de Lorena não tinha sido ser minha heroína, mas indiretamente ela fez algo por mim e eu estava me sentindo em dívida com ela. De novo. Sem contar que eu estava descobrindo um instinto um tanto maníaco de querer proteger Lorena, o que era patético visto que ela enfiava caras no armário. A garota bagunçava meus sentidos até quando estava calada.

Pensei que encontraria uma Lorena um pouco mais calorosa na aula de música na segunda pela manhã. Doce ilusão. Passei o culto inteiro enchendo o celular da garota com músicas dos Beatles, e tinha sido bem difícil conseguir o número dela naquela igreja. Mas Lorena pareceu a mesma na segunda: Respondona, patética e imbecil.

Pegamos uma briga logo cedo porque Gustavo veio nos informar que faríamos uma cena de West Side Story juntos. Isso não era completamente ridículo? Eu e Lorena cantando em cena? Juntos? Pois é, agora eu seria um imigrante latino e dançaria América ao lado dela, e ainda teria que sorrir. Eu não sabia se eu tinha ficado mais chateado por ela ter agido tão ofensivamente por causa disso, ou por Adônis ter tirado onda com a minha cara durante o dia inteiro. Vinguei-me quando Gustavo disse que ele faria uma cena de Grease.

Enfim, ela passou o resto da semana na defensiva e fugindo de mim. Procurava no jornal, mas Rany dizia que ela estava fora resolvendo alguma coisa. Aliás, saber que Rany estava trabalhando com ela me deixou bem surpreso e feliz. Quem sabe ela não quebrava um pouco do orgulho ao lado de Rany? Ok, pensamento patético visto que Rany era a segunda pessoa menos agradável da escola.

E quando pensei que a veria na aula com Diego hoje à noite, eis que ele cancela. Parece que precisou viajar para visitar alguém. Eu não tinha noção do motivo de estar tão eufórico com a possibilidade de conversar com ela, mas estava. Era como quando eu deixava de fumar maconha por alguns dias e me tornava obsessivo. Estar com Lorena estava sendo minha droga. Eu me sentia em êxtase só com a possibilidade de estar próximo a ela. Era quase como se Marion não existisse para mim. Aliás, nós meio que estávamos brigados ainda pelo lance da festa da semana passada. Falamos o básico e só quando necessário. Eu tinha pegado pesado com ela e ainda não tinha pedido desculpas, e realmente eu não estava dando a mínima para isso no momento. Depois me preocuparia com Marion.

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