Capítulo 28: Lorena

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Aquela reforma na escola já estava me deixando louca.

Da janela do jornal eu podia escutar uma bexiga de furadeira e martelos que não cansavam nunca. Quem diabos estava trabalhando num calor infernal desses? Será que esses pedreiros não eram sindicalizados?

— Argh! — Gritei quando uma martelada me fez errar uma linha do gráfico de final de ano que eu estava montando para uma matéria sobre evasão educacional.

Amassei o papel e joguei no chão, ao lado dos outros. Virei minha cadeira e sete rostos me olharam com surpresa e um pouco de medo. Ainda não estava acostumada com isso.

Eu tinha aberto o jornal para que os colunistas trabalhassem na mesma sala que eu, o que inicialmente eu tinha achado a melhor ideia do mundo, mas depois de duas semanas isso tinha se tornado uma loucura, e até a cor da fonte para a descrição de uma foto eles me perguntavam. Só não mandei todo mundo correr porque era meio que divertido ter a sala cheia de gente e esse acúmulo de serviço e vozes exaltadas; sem falar nas cabeças criando em frente ao computador.

Lis tinha entrado no jornal para substituir o imbecil que quis publicar sobre a mãe de Klaus. Aquele eu tratei de despachar na primeira oportunidade. É extinto o tempo em que se fala mal de Klaus naquele jornal. Pelo menos enquanto eu fosse editora e estivesse completamente apaixonada por ele.

Tinha dez dias que Diego havia ido embora. Estava num sono perdido e foi levado de um mim em um helicóptero rápido o suficiente para que eu não desistisse da ideia de ficar em Esperança. Ainda queria cuidar do meu irmão, mas ele tinha que sair dali para uma melhor recuperação. Além de que a quantidade de mensagens pichadas espalhadas na cidade com o seguinte dizer: homossexualismo é coisa do demônio - estavam se espalhando.

Era bem comum me encontrar debruçada sobre um balde de água sanitária e outro de tinta tentando apagar todas as mensagens com minhas próprias mãos e minha raiva. Se por acaso algum dos meus amigos vissem, eles paravam e iam me ajudar. Da primeira vez foi na padaria, e Anderson, o Novato, desceu do carro da mãe para segurar o balde de tinta para mim enquanto eu soltava insultos agressivos sobre os idiotas que tinham escrito aquilo. Da outra vez foi Tony, na calçada da prefeitura. Até Marion já tinha descido do seu carro luxuoso e parado para me ajudar. Claro que a parte de agradecer foi bem complicada, mas me sai bem.

Da última vez picharam toda a lateral da igreja, fazendo meu pai cancelar um culto de domingo, e uma equipe ferrenha se ocupar em apagar os resquícios preconceituosos. Minha turma de música compareceu em peso para a limpeza, e era bem angustiante pegar Klaus tentando cruzar o olhar com o meu. Era uma mistura de querer olhar e de tentar esnobar. E eu lá conseguia ser indiferente ao oceano azul de seus olhos?

No dia em que surtei e apareci na casa dele, eu tinha acabado de sair do hospital. Diego estava acordado e estávamos jogando xadrez. Ele me ensinava qual peça eu deveria mover para que Marcos perdesse a jogada. Foi a coisa mais normal que eu tinha feito com meu irmão e meu cunhado, e aquilo tinha acabado comigo. Peguei-me pensando que eu poderia ter sido menos vaca e aproveitado mais tempo ao lado deles.

Quando Marcos deu o xeque, Diego falou que sabia do nosso plano de tirá-lo da cidade, e que não iria brigar conosco por querermos dopá-lo. Marcos e eu ficamos em choque por alguns segundos, mas a calma de Diego era impenetrável. Disse que iria embora, mas na condição de eu dizer a ele que quando não estivesse mais aguentando ficar ali, eu iria ficar com eles; e quando precisasse deles, ligaria pedindo ajuda. Concordei, e ele deu o xeque mate no lugar do namorado. O som da pedra batendo no tabuleiro zuniu no meu ouvido e o primeiro pensamento que me ocorreu foi o fato de ter sido muito fácil convencer meu irmão a ir embora e me deixar, de novo. Isso fez com que eu me isolasse de um modo que a única escapatória para me sentir bem foi transar com Klaus na mesa da cozinha. Meu corpo saiu de lá renovado, mas eu estava petrificada quando entrei no carro e minhas mãos tremeram ao volante.

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