A dor era sempre uma novidade, mesmo que você esperasse por ela.
O enterro de minha mãe tinha acontecido três dias depois da visão infernal que eu encontrei na cozinha. Foi uma cerimônia curta, ministrada pelo meu pai, que tinha se recusado firmemente a aceitar outro pastor para fazer uma oração por ela. Ele parecia realmente abalado.
Eu não o via desde a hora em que ele abriu o saco do necrotério, quando chegou em casa naquela noite. Isolei-me no meu canto, ele no dele. Cada um com o seu tipo de dor, e nenhum dos dois afim de compartilhar.
O que meu pai não sabia, era que eu recebia visitas pela janela do meu quarto todas as noites. Eu não tinha tido saco de ir para a escola nem de ver ninguém, a não ser Klaus. Ele dormia comigo e ia embora assim que o sol aparecia. Tinha se tornado um hábito, e eu imaginava se conseguiria dormir se por acaso ele tivesse um imprevisto e não aparecesse. Agradeci mentalmente por não ter precisado cuidar das coisas do enterro, mas sabia que se ele tivesse comigo, eu conseguiria fazer qualquer coisa.
Achei que na hora que visse Klaus, iria reagir como normalmente faço quando estou com medo. Quebraria algo. Mas o feitiço não funcionou da forma tradicional, e invés de chuta-lo pelo vidro da minha sacada, eu o puxei para junto de mim e me permiti não ser tão sozinha. Eu estava nervosa com o fato dele estar falando besteiras, como a ideia de ficar em Esperança por minha causa, mas no momento estava machucada demais para bater de frente. Quando a imagem de minha mãe pendurada por uma corda diminuísse de minha mente, eu conversaria com ele sobre isso. Até lá, eu o queria na minha cama alisando minha cabeça quando os pesadelos chegassem.
Diego tinha sido a pior problemática. Klaus achava que nós devíamos ter falado com ele. Já Marcos discordou veementemente dizendo que Diego iria bater o pé para voltar para o enterro, o que não podíamos permitir. Então resolvemos dar um sumiço no celular dele, onde ficavam seus contatos da cidade, e segurar para dizer apenas mês que vem, quando eu fosse visitá-los.
Não sabia que podia sentir dor maior do que no dia em que vi Diego naquela cama de hospital, isso até ver dona Izabel presa à realidade por um único pedaço de corda. Ser criada em uma igreja não te preparava para esse tipo de coisa, e passar por elas também não. Não importava se uma vida era tirada de você lentamente ou de modo abrupto, dor era dor e ninguém pode dizer que a sua é maior do que a do vizinho. Cada um sente a sua dor na capacidade que precisa sentir, e pensar nisso me ajudava nos momentos em que eu estava despencando para o desconhecido.
Evitar a cozinha era o primeiro passo da minha recuperação.
Claro que desde então eu comia qualquer coisa que os vizinhos traziam, ou o que meus amigos se reversavam para me enfiar pela garganta. Adônis era especialista em me encher de pães de queijo e bolos de chocolate. Ele passava por aqui duas vezes por dia e sempre com uma cesta maior do que o meu travesseiro. Eu fingia comer quase tudo, daí depois colocava para fora quando me lembrava da minha mãe. A comida só ficava no meu estômago quando Klaus estava comigo, então era certo estar de barriga cheia todas as noites desde então.
Ele também ficou comigo no enterro, mesmo que meu pai não parasse de olhar para as mãos de Klaus presas à minha de modo possessivo e perigoso. Klaus também sabia fazer a mesma careta que ele, e tudo bem que minha intenção não era fazer meu pai se sentir pior do que ele já estava, mas eu precisava de Klaus. Eu precisei me esconder no seu peito quando baixaram o caixão de mogno da minha mãe e a cobriram de terra. Toda a cidade tinha ido prestigiá-la, e o coro da igreja cantou Let it be, como no Across the Universe, quando o caixão sumiu no buraco simétrico. Minha turma de música também se juntou e eles, e eu não me lembrava de ter visto nada mais bonito na minha vida do que aquele monte de gente vestindo preto e cantando aquela canção para minha mãe com o barulho do vento das árvores servindo de fundo musical.
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A Mais Bela Melodia
عاطفيةA história de Lorena e Klaus se passa em Esperança, uma cidade pequena, onde vivem entre as desavenças na escola e conflitos pessoais, levando uma cidade inteira a presenciar os escândalos de uma adolescente rebelde e seu rival popular e repleto de...