Capítulo 36: Lorena

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 Olhei para o relógio mais uma vez enquanto batia meus dedos de modo ritmado na mesa da cozinha, balançando minhas pernas impacientemente. Eu iria me atrasar se demorasse mais tempo ali.

Peguei o telefone e pensei em possibilidades. Acabei parando na única lógica, já que Rany tinha partido para a faculdade há quatro dias. Não queria ter que ligar para ele, não depois da confusão que Klaus armou duas semanas atrás porque eu aceitava presentes facilmente. E eu achava que era a orgulhosa, isso até conviver com Klaus.

O telefone chamou duas vezes antes dele atender:

— Bom dia, gordinha!

O dia não tinha começado tão bom, mas a alegria dele sempre era uma coisa contagiante, e sorri quando respondi:

— Bom dia, padrinho!

— Quais as novidades? — Pelo barulho, ele estava andando. — O que aconteceu nesse fim de semana que fiquei off-line?

Pensei se queria dizer a verdade a ele, mas no final das contas, Adônis sempre percebia quando eu ou Klaus mentíamos, então não poderia enrolar por muito tempo.

— Preciso de carona para ir ao médico — Falei rápido. — Estou ansiosa demais para ir dirigindo.

Adônis pausou do outro lado do aparelho, e pigarreou antes de responder:

— Passo ai em vinte minutos.

Respirei fundo quando desliguei o telefone. Ele não tinha feito a pergunta que me assustara o final de semana inteiro, mas eu conhecia Adônis bem demais para saber que ele ainda a faria. Então me encolhi na cadeira e esperei que ele buzinasse.

Estava num vestido floral, que ressaltava minha barriga que só crescia a cada dia. Os enjoos já tinham passado, mas o sono continuava forte e as dores no corpo só tendiam a aumentar. Respirar era difícil, e me manter no limite de gordura da gravidez também, já que tudo que eu via eu queria comer. Era patético!

A lembrança de comidas gostosas me levou até meu irmão e sua última ligação, quando perguntou se eu gostava de bolo de milho. Ele parecia bem melhor. Já estava andando, apesar de ainda usar a cadeira de rodas. Os médicos diziam que era mais pelo trauma psicológico do que necessariamente por danos físicos. A psicóloga pediu para deixarmos ele bem à vontade sobre suas escolhas, e Marcos teve que bater o pé firme quando ele quis voltar à Esperança para me fazer uma visita.

A buzina do carro de Adônis me acordou e eu levantei num pulo, esquecendo completamente que não pesava mais meus míseros 55 quilos. Senti a pontada assim que passei a chave na porta.

Entrei no carro com o ar condicionado gelado, o que me fez soltar um palavrão de alívio. Esperança estava um forno ultimamente.

Olhei para meu amigo e seu sorriso resplandecente. Não pude deixar de sorrir de volta.

Adônis tinha os cabelos até as orelhas e bagunçados. Loiro queimado na base e claro nas pontas, como os dos surfistas. O queixo era masculino e a boca fina e delicada. Os olhos eram cinza escuros, e tinha sempre aquele ar divertido que eu tanto gostava. A tatuagem de espinhos ia do ombro e descia pelo braço direito, fazendo um caminho leve e elegante. Ele era alguém que se fazia notar mesmo que não fizesse questão alguma disso.

— Hei! – Ele falou me dando um beijo no rosto e alisando de leve a protuberância em minha barriga. Afastou-se de mim e estreitou os olhos, me analisando por um tempo. Abaixei a cabeça, não suportando a análise naquele momento. — Para o hospital?

Afirmei com um gesto rápido e tratei de colocar o cinto de segurança, tomando cuidado de não pressionar minha barriga com ele.

Adônis ligou o som numa altura agradável e um tipo de música estranha ecoou pelas caixas ao meu redor. Jamais tinha o visto ouvir esse tipo de coisa, e comecei a rir quando uma voz grave se juntou à melodia.

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