Embuçado

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POV Camila

- Ainda não acredito que mais um escravo fugiu bem debaixo do meu nariz, eu juro que irei trancafiá-los e presos à ferrolhos essa noite.

- Por favor, senhor meu marido. Não enquanto estamos indo à igreja, deixe esse assunto para tratar com o Sr. Daniel.

Esse era o tópico falado desde a hora em que acordei pelos berros de papai sobre o outro escravo que fugiu, parece que alguns descobriram um curso que faz com que eles desapareçam da vista do feitor ou do capitão do mato. Eu simplesmente estava adorando as fugas, que papai não me ouça, mas era mais do que justo, já que os castigos foram dobrados após a primeira fuga do mês, desde então foram 4 escravos fugidos e mais 3 tentativas, o que de certo estava levando papai a perder os cabelos sem entender como estavam fugindo diante dos ajudantes do feitor. Papai andava nervoso com a situação e não media suas palavras para expressar tamanha fúria, nem mesmo perto de Sofia ele se controlava.

Havia uma suspeita sobre quem estava ajudando e escondendo os negros fujões, a comunidade Quaker. Não seria uma novidade encontrar algum escravo fugido ou desertor da guerra escondido por eles. Já fazia mais de um século que a comunidade ajudasse quem batia a sua porta e isso incluía os negros, que depois passou a ser o grupo mais ajudado por ele. Várias pessoas ligadas a política ou ciência são adeptos do quakerismo e estes estavam sempre dispostos a ajudar os fugitivos, o que naturalmente deixava os políticos sulistas e comerciantes de escravos em pura cólera e isso óbvio, inclui meu pai.

Papai está a para colocar metade da fazenda em chamas tamanha raiva que o assolou após outra fuga noturna. Escravos foram torturados a fim de arrancar informações, mas nem uma única palavra foi dita, estavam protegendo quem poderia protegê-los e isso deixava o Sr. Daniel ainda mais bravo, não ser obedecido mas para piorar ao tomar essas atitudes como afronta e provocação, a tortura duplicava. Os negros pareciam não ter medo, mas era lealdade que fala mais alto nesse momento e no que depender de mim, o silêncio e a proteção iriam permanecer.

A comunidade Quaker era sem sombra de dúvidas uma das inimigas do sul e como inimigos eles eram tratados, morando tão perto da fronteira era comum ver algumas conversas aqui ou ali sobre escravos fujões que foram ajudados por eles, o que ocasionava em pequenos conflitos. Papai diziam que eram a praga britânica, que foram expulsos da Inglaterra por serem liberais demais e resolveram que a América seria o melhor local para disseminar suas ideias sem juízo. Para mim eram apenas pessoas que queriam viver e respeitavam o direito do outro de também viver.

Nesses momentos em que papai prefere discutir assuntos tão dolorosos na presença de Sofia, que eu me fazia de boba, me fazia como a criança que ela é, uma mera distração para minha irmã mas para mim também já que não me agrada em nada ouvir as covardias que papai planejava contra os negros. Mostrava a minha irmã os desenhos de meu vestido, passando os dedos pelo bordado delicado, contornando e fazendo-a enxergar figuras além do que havia ali. Sofia é uma menina extremamente especial e merecia uma atenção igualmente especial vinda de papai.

Durante todo o caminho preferi não me envolver, como quem não escuta e como nem mesmo compreende o idioma, era a melhor solução já que não me encontrava em bons lençóis com papai, prevenir era a melhor forma de continuar o tortuoso processo de não enlouquecer.

Todo martírio envolvendo minha família teria data para acabar, eu apenas não sabia qual espaço do calendário marcar. A ata de liberdade dos escravos já havia sido assinada pelo presidente Lincoln e devidamente ignorada pelos estados do sul. Quem vencer a guerra trará o mínimo de descanso à família Cabello, seja pela conquista ou pela perda do que papai chama de propriedade móvel, os escravos.

A outra ponta de abertura para a minha própria liberdade seria o casamento, algo que eu insistentemente decidira fazer somente diante da minha vontade, algo pelo qual papai luta bravamente para que aconteça em breve.

Chains (Camren)Onde histórias criam vida. Descubra agora