Geração

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POV Camila

Particularmente falando ter uma conversa civilizada com meu pai era o que havia de mais desagradável em minha vida nos últimos anos, pelo menos desde que ele se tornou esse senhor cuja a preocupação se resume em dinheiro. Como explicar coisa alguma para alguém que não quer saber? Que não quer ouvir? Que lhe ignora? E mesmo com todas essas dificuldades citadas ele concordou em ter uma conversa racional comigo.

Não posso me deixar enganar, essa conversa não tem absolutamente nada a ver com bondade, com mudança de pensamento, isso é exclusivamente um reunião de negócios que meu pai está a me conceder. Ele não quer saber sobre a covardia com qual tratam os negros na senzala da fazenda Cabello, ele quer saber sobre o quanto pode perder ou ganhar em caso de abolição.

Passei a noite inteira procurando me lembrar de cada detalhe que Lauren me falou sobre esses negócios, anotando e usando um livro que me emprestou. Henry Charles Carey, economista americano, abolicionista e conselheiro do presidente Lincoln. Princípios de Ciência Social. Estava reunindo o máximo de informações para apresentar, mesmo que meu objetivo não seja atingido, já estava orgulhosa de mim, por conseguir a chance e por estar fazendo o meu melhor.

Preciso ter segurança nas palavras na hora dessa conversa, algo que pouco tenho. Minha Lo me incentiva sempre que pode a exercer meu direito de fala e ter voz ativa e altiva quando falar com as moças que em casa trabalham. Costuma dar certo com a detestável da Shani, na verdade costuma ser bem fácil com ela, ainda não me desce que papai insiste em deixá-la a me vigiar constantemente, justo ela. Por falar nela...

- A menina tá fazeno o quê, hein?

- Não é de sua conta, Shani. Saia de meu quarto, não foi convidada a entrar.

- E eu preciso de convite, sinhazinha?

Shani, mulher atrevida, insistia me chamar de sinhazinha por saber quanta repulsa sinto à ter minha figura relacionada a isso, faz por maldade, por inconveniência, tudo no intuito de me tirar do sério, possivelmente para que eu me renda ao sistema da escravidão, ela sabe do ódio que tenho por isso, claro que iria achar aí uma forma de me provocar. Olhar para ela e ver seu vestido sujo por carvão me lembrava dos tempos em que seu trabalho era simples, trazer brasas para esquentar meu quarto, já agora o trabalho era mais complexo. Era repassar ao meu pai o que ela pensa estar em meus dias.

- Sim, você precisa de um convite para estar em quarto. Não é bem vinda e você sabe disso, sua presença me desagrada em níveis que nem imagina, por isso saia. Imediatamente.

- Sinhazinha tá valente.

- Estou mesmo, e não vou repetir para sair. Suma ou eu mesma farei sumir.

- Vai me ponhar no tronco? - Maldade escorria pelo canto de seu sorriso, olhos de cobra peçonhenta. -  Vai chamar o mulambento do Sr. Daniel pra me bater neu?

- Acaso pensa que preciso disso? Acaso pensa que não vou colocar-te para fora de meu quarto? - A cada palavra dita eu me aproximava mais de Shani e ela em resposta recuava. - Pois fique sabendo que lhe pego pelo braço e lhe coloco para fora daqui sim, não me aproveitando da condição atual ao qual estamos inseridas, isso não. Mas fazendo valer o direito de que aqui é meu quarto, pertence a mim e eu escolho quem aqui fica. Se acaso chegar as vias de fato contigo, Shani, será por ter me feito perder a cabeça, mas saiba que irei lhe surrar por ser uma pessoa antipática e intolerável, não por ter um governo dizendo que posso, sabe que não é assim que vejo a vida. - Quando ela se encostou na parede ao lado da porta, vi minha chance e a tomei pelo braço como disse que faria, claro que ela não esperava e se surpreendeu. - Você vai sair daqui sim. E agora.

Mais do que depressa abri a porta e a empurrei para a fora, ainda abobalhada com o que fiz, Shani reuniu a última gota de orgulho e saiu de queixo erguido. Fechei a porta com tudo e pude enfim respirar mais tranquilamente. Encostei a testa contra a madeira da porta e me coloquei a pensar sobre o que aconteceu nesse momento. Lauren iria gostar de saber disso.

Chains (Camren)Onde histórias criam vida. Descubra agora