Capítulo 1

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Carolina Peixinho e Gabriela Hebling se conheceram há alguns meses durante um reality show brasileiro em que ficaram trancadas em uma casa junto de outras pessoas durante três meses. 

Carol, baiana, 34 anos de idade, se identificou a vida toda como heterossexual. Já Gabi, a paulista de 33 anos, é uma negra, feminista, lésbica e militante. 

Dentro do programa de tv, elas se conectaram desde o primeiro dia de confinamento, se conheceram a fundo e foi palpável a conexão e sincronia que tinham, mas acabaram deixando seus medos no caminho de uma aproximação mais íntima e nunca deram voz aos sentimentos que transmitiam apenas nos olhares, abraços demorados e preocupação uma com a outra.

Ao fim do reality show, Gabriela descobriu falas racistas que aconteceram pelas suas costas e uma divisão de grupos feita pela edição do programa e pelos telespectadores. Esses eventos confundiram sua cabeça e uma agenda lotada de compromissos acabou a tornando refém das pessoas que tomaram conta de sua família e de suas redes sociais enquanto estava confinada: a ex namorada, Maria Luísa, e uma amiga em comum das duas, Eliana.

Sem tempo para parar e analisar o que tinha acontecido entre ela e Peixinho, Gabi acabou seguindo a voz do medo e da insegurança que sempre habitaram em si e retomou o relacionamento com a pessoa que lhe trazia segurança e esteve ao seu lado nos últimos anos, Maria Luísa, apelidada de Low. 

Até que a falta de Carolina nos dias de Gabriela afeta o subconsciente da negra a ponto de, sem querer, botar fim no relacionamento com a mulher que não amava.

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Gabriela encarou os próprios dedos, até que a visão ficou completamente turva com as lágrimas que se formavam. Não queria chorar de novo, mas sabia que o melhor era colocar tudo para fora. Levou as mãos ao rosto e se entregou totalmente ao momento de dor, que ficou mais e mais intenso a cada segundo. O primeiro soluço saiu alto e ecoou pela sala.

O pensamento que a dominou foi "não aguento mais". Não aguentava mais sentir tanto e tanta dor e culpa. Era a segunda vez que rompia com Maria Luísa, talvez a quarta ou quinta vez que a via ir embora com lágrimas nos olhos, desde que se conheceram. Mas os motivos dessa vez eram muito diferentes.

Será que nunca conseguiria acertar nas escolhas que fazia?

A percussionista se levantou do caixote improvisado de sua sala – eram 5 meses que vivia ali e não tinha tido tempo nem paciência para mobiliar e decorar adequadamente o apartamento que estava alugando no Rio de Janeiro – e se arrastou para o quarto, jogando o corpo sobre a cama. Fechou os olhos e se lembrou do tempo que passou confinada, do quanto estava dolorida e confusa, perdida com seus sentimentos, e de como ver o rosto de Maria Luísa por alguns segundos em uma tela lhe foi reconfortante.

Se permitiu chorar sem raciocinar sobre nada, diversas frustrações e indagações surgiam em sua cabeça e ela se concentrava apenas em colocar as lágrimas para fora. Sabia que no dia seguinte organizaria os próprios pensamentos com a ajuda de sua psicóloga e que não precisava se martirizar procurando erros e acertos naquele momento. Precisava apenas se permitir sentir o que quer que fosse aquilo que a estava machucando.

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- Eu achava que o que eu sentia por ela era uma projeção do que eu sentia pela Low, eu ficava pensando "ela me lembra a Maria Luísa, eu to sentindo essa paixão, essa vontade, porque estou sentindo saudade da Low". Eu me sentia muito carente, muito sozinha lá e eu tinha uma necessidade tão grande de ficar perto dela, ela chegava perto e eu tinha que me segurar pra não abraçar, pra não passar a mão no cabelo dela. Mas eram tantas questões ali, cada hora eu pensava numa coisa diferente.

- E que questões eram essas?

- Eu não sabia como ela se sentia por mim, eu não sabia quem estava por mim de verdade. Em muitos momentos eu me sentia querida, mas em outros eu me sentia totalmente sozinha. Aí eu comecei a pensar no que era real. E a Low era real. Por muito tempo eu só conseguia pensar na Carolina, se ela também queria, se ela também sentia as mesmas coisas, mas os sinais eram sempre confusos. Eu sentia o carinho na voz, o olhar, mas muitas vezes as falas dela me mostravam o oposto. Eu já estava enlouquecendo quando eu recebi a mensagem da Low e comecei a focar naquilo. Eu ficava repetindo pra mim "isso é real", e me lembrei do quanto ela já tinha segurado minha barra, me ajudado. A gente se amou muito, muito. Eu tirei as forças disso pra continuar lá, ficava pensando nela todos os dias, me esforçava pra manter o pensamento nela e na minha mãe. Focar no que eu tinha no mundo real me ajudou a separar a razão dos sentimentos que eu tinha pelas pessoas que estavam lá dentro.

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