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  Passaram-se longos minutos. Eu sabia que a qualquer momento aquela porta poderia se abrir e a mulher da minha vida estaria me olhando com tanta melancolia. Planejei um futuro maravilhoso para mesma, mas infelizmente não posso dar.
  Senti que alguém se aproximava na porta, então permaneci de olhos fechados. Escutei suspiros e fungadas. Prendi completamente as lágrimas em minha garganta. Não podia chorar. Eu não poderia!

— Amor...? — toca em minha mão.

Ah, como aquela voz me trazia paz.

  Abri os olhos lentamente e a encarei. Os seus estavam avermelhados e inchados, mas o sorriso estava lá.

— Você está mais lindo. — alisa meu rosto com o polegar. — É o primeiro leito em que meus olhos se admiram com o que vê.

  Eu acredito na mesma, mas não poderia me dizer aquilo.

— Natalie, te contaram meu problema? — perguntei indignado.

— Não importa o seu problema. Continuo te amando da mesma forma. Nada irá nos separar e esta foi uma das promessas que fizemos em nosso noivado.

   Foi uma das coisas mais lindas que já ouvi, porém assim como não sinto minhas pernas, não sinto nada. Eu a amo, mas... Não sei explicar. Só quero ficar sozinho.

— Como está indo as coisas na faculdade? — mudo o assunto.

— Tão ruim sem você. Sinto saudade dos seus abraços na hora do intervalo, quando me dava vários sustos... Sinto falta do seu cheiro, do seu carinho, do seu estresse... — deposita um beijo em meus lábios. — Sinto sua falta.

— Eu também.  Minha mãe me contou que dormiu lá em casa.

— Sim, naquele quarto bagunçado. — sorri divertida. — Arrumei todinho e espero que não bagunce.

— Eu sempre me encontrei no meio da minha bagunça, então não invente de falar que nem minha mãe, porque já estou enjoado desses sermões. — fingi indignação. Ela mudava meu humor sem fazer muito esforço, mas parece que daqui a uns dias ou meses serei o caco de vidro que vai feri-la.

— Graças a Deus terei você de volta. Cuidarei de ti como se fosse meu bebê. — distribui vários beijinhos sobre meu rosto.

— Aí! — gemi após ela tocar no local em que mais ardia em meu rosto.

— Desculpa, desculpa, desculpa. — continua me beijando. — Foi sem querer meu cordeirinho. — disse manhosa.

— Amor, me promete que quando eu sair desse lugar vai me levar para morar com você. — disse firme. A expressão dela mudou para confusa.

— Eu faria isso sem problema algum, mas não sei se sua mãe e seu pai irão concordar. — suspira.

— Não quero saber dele, apenas a minha mãe poderá me visitar. — disse irritado. — Você não vai permitir que ele entre dentro da sua casa!

— J, você não pode se alterar. Controle-se. Irei resolver tudo com calma, mas se você não puder ficar comigo, me promete que permanecerá em paz?

— Se eu não morar com você, prometo que serei o homem mais frio da face dessa terra. — falei, seco.

  A mesma me olha desapontada.

— Ainda que não more comigo, continuarei visitando você e até mesmo dormindo. Nunca estará sozinho, J. Ninguém vai lhe machucar. Eu prometo. — deixa umas lágrimas escorrer. — Eu te amo.

  Não aguentei mais. Me derramei naquela cama desconfortável. Chorei como uma criança que perdeu algo de muito valor.
  Natalie beija o topo da minha cabeça e massageia meu rosto, limpando as lágrimas.

— Ele... Ele profetizou isso na minha vida. — disse amargurado. — Eu... Odeio... Odeio o meu... Pai.

  A dor em meu peito era insuportável. Nunca me senti tão deprimido em toda a minha vida. Já me senti sufocado, sim, com o sentimento de rejeição ou inferioridade, mas agora percebo que cheguei ao fundo do poço.

— Vai ficar tudo bem. Estou aqui com você. — sussurra.

  Passaram-se uma semana de puro tédio. Mas em compensação, era bem melhor ficar naquele hospital do que voltar a casa em que sempre fui infeliz. Aquele monstro fez questão de exigir do médico que ordenasse minha estadia em casa. Para quê ele deseja minha presença? Para me humilhar? Eu o odeio profundamente.
 
  Natalie acabou bringando com o mesmo e, hoje, não se falam mais. Ela tem raiva pelas cosias que ele faz e ele pior ainda. Principalmente por me defender.

  Agora estou no meu quarto, jogando videogame com meu amigo Caio. Era um dos momentos mais relaxantes que tinha nessa casa. Me fazia esquecer que não tinha mais pernas.

— Eu sabia que perderia a aposta. — disse após vencer a segunda partida.

— Deve ser porque meu jogador não sente as pernas, como eu. — falei sem humor.

Colé, mano? Vai ficar fazendo piada com as pernas em tudo? — falou divertido e eu ri. — Ainda bem que sua capacidade vem da mente, porque se fosse apenas da perna... — eu ri de novo.

— Te devo quanto, mesmo?

— Depende, mas deve garantir durante quatro meses minha passagem para Filip's. Vou sentir sua falta. — aperta meu ombro.

— Eu também, mas espero te ver todo mês por lá. — sorri, fraco.

— Como vai ficar seu relacionamento com Natalie? — pergunta preocupado.

— Cuide dela para mim. Não deixe que nenhum gavião encoste um dedo nela, naquela faculdade.

Mano, você não é respondeu minha pergunta. — me olha preocupado. — Vai terminar com a mina?

— Eu não disse que ia terminar com ela. E não pretendo; por mais que todos os dias eu sinta uma vontade enorme de ficar sozinho, isolado.

— Fico feliz por esta decisão. — ele abre um sorriso. — Ontem o professor Oswaldo me pediu para lhe entregar isto. — tira uma correntinha do bolso e me entrega.

Olhei aquele presentinho e logo meus olhos encheram de lágrimas. Era uma corrente, escrito "FISIOTERAPIA".

— Ele disse que ganhou antes de perder o seu avô. Contou que o mesmo sofreu um acidente e perdeu os movimentos das pernas, porém os médicos disseram que não tinha mais esperanças ou seja, seu avô não poderia mais jogar bola com ele. Depois de sair do hospital, tinha que fazer três vezes por semana a fisioterapia. O professor contou que acompanhava a recuperação do seu avô e quando todos menos esperavam, ele sentiu suas pernas. Foi uma alegria em tanta para toda família, porém aquele idoso tinha outros problemas de saúde  que o levou a morte. Antes de falecer, disse para seu neto: "Você não pode conseguir tudo que sonha, mas vai fazer de tudo para chegar perto deles!"  E foi assim que ele escolheu essa profissão. Precisava salvar vidas para não ver outras famílias sentir o que o mesmo sentiu quando viu seu avô suspirar pela última vez.

— Acha que posso, algum dia, ser um fisioterapeuta? — limpo as lágrimas que insistiam em cair.

— Não. — apoia sua mão em meu ombro. — Você já é um fisioterapeuta. — sorri.

— Muito obrigado pelas palavras, mas não posso acreditar em você. Virei um deficiente, Caio. Deficientes não têm "espaços" na sociedade. Se as pessoas olhassem essas vidas com outros olhos...

— Thaís Frota escreveu: "Se o lugar não permitir o acesso a todas as pessoas, esse lugar é deficiente." Você mesmo citou essa frase no trabalho que apresentamos.

— É... Acho que as coisas só vão fazer sentido a partir de agora.


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"Para ser aquilo que a Bíblia diz quem você é, você precisa crer no que a Bíblia diz que você é."

Pastor Márcio Braga

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O INCAPAZ - História de Joabe e NatalieOnde histórias criam vida. Descubra agora