Capítulo 1 - Aos Olhos De Uma Irmã

154 8 18
                                    

Quando o cheiro delicioso chegava às narinas do velho Ben Cárter, ele abria mais uma de suas queridas e sagradas cervejas, pois ele sabia que aquele cheiro gostoso e inebriante trazia junto consigo mais um dia de alucinações por parte de sua querida filha Nancy.

A cozinha estava lotada de panelas e chocolate. Nancy Cárter surtava de alegria, já que ela adorava fazer os biscoitos de sua avó. Receita antiga e letal para fazer qualquer um morrer de amor por quem os assasse. Nancy ficava tão feliz nessa hora do dia, já que ela sabia que faltava pouco tempo para ele chegar e, com ele, os beijos, os abraços, os sorrisos e os arrepios. Os biscoitos se despedaçariam de raiva por não serem mais o centro das atenções quando ele chegasse, já que o cheiro dele era ainda melhor do que aquele que vinha do chocolate meio amargo. Enquanto Nancy ouvia, no seu velho rádio, Mr. Sandman, pensava no quanto ela era feliz, no quanto amava a tudo ao seu redor. Ela tinha a vida perfeita, o namorado mais carinhoso e a família mais unida do mundo.

O tempo passava rapidamente, e Nancy se via agora em euforia, porque faltavam apenas cinco minutos para ela o ter ali sorrindo com todo o seu charme. Ele diria a ela, mais uma vez, que a amava, que ela era a razão de sua vida e que, sem traço de dúvida, era a melhor cozinheira do mundo. Nesse momento Nancy tira o seu avental coberto de farinha e se olha no espelho. Ela sorri para o que vê nele, um rosto corado com olhos castanhos e lábios vermelhos lhe caem maravilhosamente. Aproveita para arrumar o cabelo, esse alaranjado de um ruivo natural. Ela sempre era a primeira a provar os deliciosos biscoitos de chocolate, já que precisava saber se estavam no ponto. Jamais deixaria que uma receita prejudicasse sua fama na cozinha. Quando termina a primeira mordida, o cheiro dele se apresenta. Ela reconheceria seu cheiro em qualquer lugar, estando onde estivesse, pois ele estava marcado em sua mente e memória. Uma vez na memória, seria para sempre lembrado e vivido. Ela se vê toda em sorrisos, gira o cabelo ruivo brilhante perfeitamente arrumado. Nesse momento, seu coração salta, arrebenta, quase enfarta. É Tom Green, ele com o sorriso que mostra metade de seus dentes, toca em seu rosto e acaricia sua face. Ela, suando, o beija, e o gosto do biscoito é somente um gosto a mais em ambas as bocas. A mesa da cozinha balança quando os dois, escorados, trocam carícias em mais uma noite de amor.

Observando da janela, da sacada, a cena que foi toda descrita e detalhada na mente e nos olhos de Nancy, Julie não mais se espanta ao ver a irmã beijando o nada e sendo abraçada por suas próprias mãos. Ela sorria sozinha ao ver Tom, que, aliás, só existia na mente dela. Os olhos azuis turquesa e redondos eram somente vistos pelos olhos de Nancy. Julie jamais notaria os belos olhos dele, ou ainda o sorriso sedutor, no qual se viam dentes perfeitos e brilhosos, e não vamos esquecer seu cheiro delirante, junto com os cabelos negros que deslizavam suavemente pelos ombros. Ela sofria ainda ao ver a irmã assim, acreditando estar vivendo uma vida plena e feliz que não existia, pois era uma farsa doentia e que a consumira por completo. Era como se Nancy vivesse em outro mundo e, na verdade, ela vivia em um mundo só dela, onde existia o homem perfeito a sua total disposição. Aquele homem maravilhoso e perfeitamente belo a lhe alegrar a vida.

Nancy estava, a um bom tempo, daquele jeito. Há anos, Julie não tinha mais a sua irmã caçula com ela, somente aquele ser sorridente voltado para si próprio. Ela sofria de um distúrbio mental, o qual, psiquiatras do mundo todo haviam diagnosticado como sendo esquizofrenia de fábula aguda. Uma doença rara do cérebro, que ainda estava a ser estudada, mas todos os especialistas, que haviam feito alguns exames no cérebro de Nancy, acabaram por submetê-la a vários tratamentos que a deixavam, por fim, dopada a maior parte do dia sem uma melhora significativa, uma vez que a doença não tem cura. Além disso, os remédios aplicados não ajudavam muito a fazer Nancy não ouvir vozes, que ela dizia serem constantes, mas que a deixavam triste e cujos efeitos colaterais eram horrendos. Julie recorda de quando tudo estava começando a fazer sentido. Ela lembrou que a irmã, no começo, apenas falava sozinha, mas, com o tempo, aquilo já não bastou para ela. Precisava dar vida a alguém, talvez, assim, aquela voz não a levasse para algum abismo sem volta. Então, num belo dia, surgiu o jovem Tom Green, que era sua proteção contra ela mesma. Ele era a válvula de escape de Nancy e, algumas vezes, quando, em tratamento, ela tentou esquecê-lo, algo a puxava de volta para aquele mundo, e ela voltava para o ser inanimado.

Você Vê O Que Eu Vejo? COMPLETO NA AMAZON!Onde histórias criam vida. Descubra agora