CAPÍTULO UM

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Por estou aqui? Preciso voltar para meu mundo, não posso continuar caminhando neste Mundo sem esperar consequências. Estou brincando com a sorte há três décadas, estou abusando da hospitalidade do Reino de Chamber.
As fiandeiras insistem no meu destino, mas nossos caminhos ainda não se cruzaram.  Ele ainda não sentiu minha essência, minha alma ou sentiu o meu cheiro. Às vezes sinto-me aliviada, não sou digna dele. Nunca vou ser, mas às vezes meu coração se aquece só de imaginar minha vida com ele.
Estou apaixonada e idealizando um sonho bobo e impossível, estou seguindo meu futuro assassino. Um juramento de sangue feito por um mestiço não pode ser ignorado ou descartado. Preciso andar com cautela, mesmo quando minha vontade é aproximar-se, dizer tudo que sinto há três décadas.
Viajo entre os portais que separam nosso mundo, é fácil chegar até o Mundo dos Imortais e Mortais. Os humanos vivem abrindo os véus que nos separam, com pensamentos negativos, palavras amaldiçoadas, comportamentos cruéis. Os espelhos são uma das formas mais fáceis de atravessar. Quando num lar à muita negatividade, brigas, discussões ou desentendimentos os portais abrem-se automaticamente, permitindo a presença de maus espíritos, de entidades malignas que rondam o meu Mundo.
Existem os purificadores, que libertam e buscam esses espíritos e entidades para uma cura extrema. Para ajudá-los e guiá-los para cada Campo.
No Mundo dos Mortos existem três continentes, cada um governado por um Rei e cada um guarda um Campo. O meu Reino guarda o Campo dos Gritos, onde as almas mais atormentadas ficam, para expulsar e exorcizar qualquer sentimento de vingança, crueldade, rancor ou inveja.
Qualquer sentimento que pode atrapalhá-los no próximo campo é deixado "No Campo dos Gritos".
Minha Corte governa uma cidade próspera e bonita, conhecida como Lux, tenho um povo alegre e confiante. São seres de várias espécies, de vários Mundos que foram entrando no Mundo dos Mortos e conhecendo sua beleza e suas riquezas. É fácil amar meu Mundo, principalmente quando percebe-se que vida é fácil e tranquila.
Os cristais, rubis e gemas preciosas nascem nas cachoeiras. Você encontra as jóias preciosas em lagos de águas cristalinas e puras.
As rochas são de ouro puro.  
A prata encontra-se em ninhos de aves estelares.
A Riqueza está em todos os lugares, principalmente na natureza do meu Mundo. Sabemos preservá-la e respeitá-la. E nossa Natureza nos presenteia com frutas deliciosas, terras ótimas para plantio, paisagens esplendorosas e riquezas exuberantes.  
O Mundo Dos Mortos não é como as lendas contam. O mal existe em todos os lugares, o mal caminha de mãos dadas com o bem. Não podemos focar em um único lugar, a maldade não existe somente no Outro Mundo. Ela prevalece em todos os pensamentos, quando você causa sofrimentos e tristezas, o mal está prevalecendo. É mais fácil culpar um Mundo Sombrio ou os Deuses para suprir seu remorso e arrependimento. É mais fácil dizer que o mal só existe no meu Mundo para corrigir as crueldades da própria existência.
Apesar de todos os caminhos errados dos Imortais e Mortais, Chamber era quente e bonita. Eu amava visitar este Reino no verão, acho que Ilha Sul combina muito com essa estação. Passear no calçadão era rotineiro, eu já conhecia todas as lojas e disfarçar meu cheiro com magia tornou-se indispensável.
Meu apartamento fica em cima da Loja de Perfumaria, era uns dos meus lugares preferidos. Eu tinha um imenso espelho na Sala, que ligava minha Mansão na Corte Intraterrena com meu charmoso apartamento. Passava a maior parte do Tempo na sacada, olhando os moradores da Capital, perambulando e preparando-se para o festival, que acontece todos os anos.

— Encontrei você; — a voz da minha irmã soou. — Eu trouxe larvas defumadas, cérebro de cabra e escorpiões assados.

— Eu já vou! — anúncio, olhando o calçadão novamente.

— Ainda o procurando? — Eleonor arrumou a pequena mesa para desfrutar nosso lanchinho. — O Príncipe tem 30 anos, é um rapaz jovem. Na flor da idade, ele está viajando só volta na próxima semana.

— Você fala como se eu fosse uma noiva cadáver.

Minha irmã riu.
Eleonor, é a minha irmã mais nova. Ela é minha sucessora no Outro Mundo, minha melhor amiga e também descobriu meu segredo. Eleonor desconfiou, eu estava passando a maior parte do meu tempo vagando em um Mundo desconhecido. Um Mundo que eu não tinha interesse e principalmente detestava.
Quando você é a Senhora da Penitência acaba conhecendo as Almas pobres que podem perambular neste Mundo, evitá-lo era o que eu fazia de melhor. E agora… Bom, amo caminhar entre essas almas perdidas.
Eleonor decidiu me seguir, flagrando minha "suposta" espionagem. Desde que descobri quem era Dian Brayan tenho cuidado do garoto. Impedindo que Dian acabasse se matando, não estou exagerando o garoto corre atrás do perigo.
Ele já caiu de um cavalo quebrando clavícula.
Ele foi pular do alto de uma cachoeira e partiu a cabeça.
Ele já lutou com um lobisomem e quase teve a garganta dilacerada.
Ele já ficou preso em uma catatumba atrás de um grimório perdido.
Dian Brayan é um aventureiro que não tem medo do perigo, literalmente. E sempre sobreviveu, porque eu estava lá para ajudar, usando minha magia de longe para auxiliá-lo. Quando ele completou 25 anos, Dian parou com suas aventuras exageradas. Depois encontrou a sua Escolhida de Sangue. Uma curandeira nojenta, esnobe e que mantém um nariz empinado. Ela chama-se Mayo, é melhor amiga da Rainha e agora Escolhida do Príncipe. Dian é completamente apaixonado por ela. Eu não consigo compreender como um macho tão belo apaixonou-se por uma criatura sem nenhum atrativo.

— Você precisa se alimentar, o Príncipe gosta de fêmeas com corpos cheios e bonitos.

Eleonor é uma espiã no Castelo, ela trabalha como Dama de Companhia da Senhora Savannah Brayan. Minha irmã precisa ser ardilosa, Savannah é uma fêmea extremamente inteligente. Se ela tiver uma única dúvida, Eleonor pode morrer.
Na cozinha sento-me na cadeira para me servir.

— Amo Escorpião Assado. Quais as novidades no Castelo? — Indago, servindo-me com uma generosa porção.

— Nada; — minha irmã desviou o olhar. — Tudo na mesma rotina.

— Eleonor, você está me escondendo alguma coisa?

Minha irmã mexe-se desconcertado na cadeira.

— Morfeu vai castigar, Dian.  — Diz encolhendo-se.

— Castigá-lo?

Ela afirmou com a cabeça, cortando um pedaço de cérebro de Cabra.

— O que Brayan fez?

— Ele desvirtuou uma sacerdotisa. Dormiu com a fêmea, ela foi arremessada no vento por sua família. Sem escolhas a pobrezinha seguiu até o Castelo. Agora os boatos que ela está gerando um bastardo estão espalhando-se.

Balançando a cabeça descrente.
Dian é um conquistador dos bons. Um sem vergonha que se orgulha das orgias  que acontecem na sua Mansão. Um macho que adora a perdição, luxúria e sexo.

— Ela está grávida?

Eleonor riu, negando.

— Mayo quase matou a sacerdotisa, um comportamento cômico. Ela não aceita a ligação e também não aceita que o Príncipe durma com outras fêmeas. Mayo é estranha, ela fez os testes para certificar. A fêmea não está grávida!

Relaxei na cadeira.

— O Príncipe não sabe o que está acontecendo. Dian está na Ilha Leste, participando de uma Reunião.

— Quantos anos a Sacerdotisa tem?

Minha irmã resmungou baixinho.
— O quê?

Ela voltou a resmungar, desta vez sussurrando mais baixo.

— Eleonor, estou perdendo a minha paciência.

— Ela tem apenas 18 anos. É uma criança! — Disparou. — É lindíssima, tem a pele bronzeada, cabelos loiros e bonitos. Olhos azuis que lembram a cor do próprio céu e o sorriso…

Esmurrei a mesa.
Minha irmã não faz por mal, às vezes Eleonor não consegue controlar a sinceridade. Ele fala tudo que vai chegando na sua cabeça sem filtrar, sem notar o quanto está sendo cruel com as palavras.

— Desculpa; — falou cabisbaixa. — Eu não queria magoá-la.

Eu compreendo, ela não queria. No entanto, Eleonor sempre ressaltou o quanto somos impossíveis, o quanto somos incompatíveis. O quanto sou pálida, fria e cruel. Enquanto Dian, é uma luz pura, um pedaço do próprio Sol na Terra.











Dian - O Príncipe Dos MortosOnde histórias criam vida. Descubra agora