O Brasil possui cerca de duzentos e nove milhões de habitantes, e durante muito tempo ao longo de sua história recebeu diversos imigrantes, como a própria cidade de Fontana atestava. Entre eles, dos mais numerosos durante o início do século vinte até 1972, desembarcaram cerca de um milhão e 240 mil portugueses, 505 mil espanhóis, 484 mil italianos, 248 mil japoneses e 171 mil alemães.
Dentre esses japoneses estavam o bisavô e a bisavó de Sasuke, que traziam seu avô para o Brasil. A situação da família não estava fácil, com as guerras as coisas pioraram drasticamente, então sair do Japão foi uma questão de sobrevivência. E não era como se eles simplesmente chegassem ao Brasil para fazer nada, pelo contrário, eles trabalharam muito, ajudaram na economia de Fontana, no desenvolvimento, aumentaram a família, criaram laços com outros imigrantes, com alguns brasileiros, e se estabeleceram definitivamente.
Então, após o casamento de dois descendentes de japoneses, Sasuke nasceu, o primeiro filho de mais dois que viriam, cheio de saúde e com um futuro brilhante pela frente. Ele nasceu cercado de amor, cercado de sua cultura ancestral, de sua língua diferente, de suas tradições milenares, e também cercado do português brasileiro, da cultura brasileira, de pessoas brasileiras. Ele era brasileiro, havia nascido ali, e mesmo que seus pais também fossem, ele não se encaixava.
Não era porque não queria, é óbvio que ele queria se enturmar, mas não era tão fácil. Na sociedade existem rótulos, existem fisionomias, existem identificações rápidas que as pessoas fazem e permanecem por muito mais tempo do que o usado para serem elaboradas. A de Sasuke era uma dessas, o japa. Ele era um menino único, tinha sua própria personalidade, gostos, família, opinião, mas quando estava com as outras pessoas todas pareciam enxergar a mesma coisa, um forasteiro. Então ele deixava de ser Sasuke Watannabe e se tornava simplesmente o garoto "japa".
No início ele levava isso numa boa, achava normal, até entender que não era. Sasuke aprendeu ainda na infância que aquilo era xenofobia, uma desconfiança e temor por pessoas e coisas de outro país. Mas aí não fazia sentido ele sofrer isso, o garotinho de nove anos tinha certeza, porque afinal de contas, ele não era de outro país, nunca tinha sequer ido a outro país, ele era brasileiro, havia nascido no Brasil e crescido também, era como todos os outros. Então porque ser tratado diferente?
Ele não sabia, não entendia, e sofria com isso, porque aos poucos foi aprendendo a lidar com aquela realidade. Assim, não era surpresa que alguém dissese que ele deveria "voltar para seu país", que país era esse? Qual era seu lugar? Se no Brasil ele era tido como estrangeiro, no Japão também, então onde ele seria tido como parte de um povo? E ainda tinha as ditas piadas usuais, como a do "pastel de flango", ou "abre o olho, japonês", ou ficar sempre corrigindo sua liguagem, o que não acontecia tanto com ele, que evitava usar a língua de seus ancestrais para não passar pelas mesmas situações que muitos de seus semelhantes passavam.
Então, foi necessário um longo caminho para que ele entendesse que aquilo não era normal, ou não deveria ser, e que não eram piadas, era preconceito, um preconceito mascarado e tangível. E quando essa percepção lhe ocorreu, ele recuou, ele buscou tentar ser aceito, não reagiu a discriminação porque o prejuízo social disso lhe seria muito grande. Ele acatou aquilo, fingiu que acreditava ser só uma piada, que estava tudo bem e que ele fazia parte daquele grupo que o destratava. Ele aceitou ser colocado em um posto, como uma linha reta, enquanto seguisse o esperado, aquele espaço bem definido, tudo estaria bem, se saísse ele se tomaria um incômodo, e então seria incomodado.
VOCÊ ESTÁ LENDO
Ovelha Negra [Completa]
Teen FictionO Colégio Órion é conhecido pelo alto nível intelectual de seus estudantes, pelo grande talento que eles possuem em Campo, e pelos rostos bonitos e de boa conduta. O que ninguém conhece sobre o Colégio Órion, é quem realmente estuda lá, porque por t...