Capítulo 17 - Delação premiada

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_Eu não estou te acusando - Kara disse encarando a melhor amiga. Estava tendo um dia péssimo, mas mesmo assim não queria brigar.

  Aurora olhou o reflexo da morena no espelho, sua expressão facial demonstrava bem a atitude que Kara mais detestava receber: o deboche.

_Vir aqui e dizer que eu deixei aqueles comentários no Twitter usando um perfil falso? Ah, me desculpe, é claro que não é uma acusação - murmurou esfregando os lábios para espalhar o batom enquanto se virava para a amiga.

_É só que, eu já vi você fazendo isso com outras pessoas, usando perfis falsos para ofender ou algo do tipo -Kara continuou, cruzando os braços. Queria provar que suas dúvidas tinham fundamento - sabe, você é quem melhor me conhece, como alguém saberia disso se não fosse próximo a mim?

  A garota de cabelos claros ficou em silêncio, foi um momento tão estranho que Kara viu-se concentrada no gotejar da pia. Aurora sequer movia um músculo, continuava a encará-la profundamente. Ela estava fazendo aquilo que a morena sempre fez, aquilo que ela aprendeu com a convivência e aperfeiçoou ainda mais. Ela estava lendo a melhor amiga, dissecando sua postura para ver o que descobriria, e isso sempre acontecia sob aqueles olhos doces e ferozes.

_Lamento que você pense que eu seria capaz de ridicularizá-la por aí. Pode até não acreditar mas eu não sou seu espelho - Aurora pressionou as longas unhas na palma da mão - se eu quiser falar sobre você, eu falo com você. Não sou uma garota de indiretas. Agora, se você suspeitou da sua melhor amiga isso é um mau sinal. Significa que isso é possível porque você sabe que seria capaz de fazer o mesmo, me injuriar, nesse caso, acho que quem deve manter a desconfiança aqui sou eu.

  Kara abriu a boca para rebater, mas não saiu nada, esse sempre foi um dos poderes sobre ela: quando Aurora falava, Kara se calava. Mas ela estava certa, como em muitas outras vezes. A morena podia até negar veemente, mas bem no fundo sabia que a melhor amiga estava certa. A garota de cabelos negros sempre foi boa em tirar proveito de tudo e de todos, sempre se colocou acima de qualquer relação ou pessoa, não era de se esperar que agora as coisas fossem diferentes. Ela era o tipo de amiga que estava ao seu lado na vitória, na derrota ela seria a primeira a se aliar a quem tivesse vantagem, mas principalmente, ela era o tipo de amiga que se pudesse, no meio desse caminho, daria um jeito de vencer sozinha.

_Eu vou pra sala de aula, se você preferir continuar aqui criando diversas teorias conspiratórias da minha parte, bem, fique a vontade, não é problema meu - Aurora disse antes de dar as costas para a melhor amiga e sair.

  Kara bufou se virando para o espelho. Seu reflexo carregava olheiras e cansaço, parecia tão derrotada, tão fraca. Ela não era assim, era forte, valente, estava sempre exalando confiança, não sentia medo, muito pelo contrário, era ela quem passava esse sentimento aos outros. A morena jogou água no rosto, respirando fundo, é claro que aquela conversa não poderia ter dado certo.

  O que ela pensou acusando Aurora daquela forma? Kara não tinha esse direito, não com a melhor amiga que estava ao seu lado em qualquer situação, que ajudava sempre que precisava, que compreendia sua essência como ninguém. A garota de cabelos claros estava errada mais cedo pois elas eram sim o reflexo uma da outra, como unha e carne, feitas para ficarem unidas. Porém, com os últimos acontecimentos, Kara estava aprendendo que às vezes a semelhança não é o suficiente para manter uma amizade, e talvez algumas unhas apodreçam, caindo e deixando a carne vulnerável.

  Se esse era o caso das duas, não seria ela a unha a cair, e sua carne já estaria bem protegida quando a podridão se afastasse.

  Para aquela manhã o diretor havia pensado em várias formas de embarcar em um filme de terror, pois ser a autoridade à frente do Órion estava sendo uma prova de fogo nas últimas semanas, cada dia parecia ainda pior que o anterior. Não bastasse a tentativa de suicídio de uma aluna, ainda tinha a tal Ovelha Negra, algum aluno engraçadinho fazendo acusações aos colegas. Quando aqueles panfletos apareciam, era sinônimo de dor de cabeça, afinal de contas, o que ele poderia fazer contra alguém que não mostrava sua identidade? Assim, esse era sempre o seu discurso: até que descobrissem o nome da pessoa por trás da coluna, ele estava de mãos atadas em relação ao caso.

Ovelha Negra [Completa]Onde histórias criam vida. Descubra agora